segunda-feira, março 13, 2006
Lula não entrou no PT. Ele criou o PT"
Valor Econômico (13/03/06)
Maria Lúcia Delgado e Paulo de Tarso Lyra para Valor Econômico
"A reforma das regras da Previdência é secundária perante a reforma de sua eficiência".
O presidente do PT, Ricardo Berzoini, tem na ponta da língua estatísticas sobre o desempenho das "commodities" na balança comercial e sobre a quantidade de empregos formais gerados na economia desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Fala com desenvoltura sobre política econômica e fiscal em meio às críticas de seu partido ao governo. Com uma postura que nada tem a ver com a do sindicalista do passado, Berzoini não evita perguntas delicadas, mas mostra que o passado ficou mesmo para trás e que o PT só pensa agora em reeleger Lula. O deputado, que já comandou dois ministérios - Trabalho e Previdência Social -, admite que vai ajudar na coordenação da campanha de reeleição do presidente, num colegiado que abrirá espaço não só para petistas, mas para outros aliados. Berzoini conta que diverge do partido em relação à verticalização. Ele defende o fim da norma apesar de ter votado contra a emenda constitucional (que a revogava), já que a maioria do partido entendia que a regra precisaria ser mantida. Com a verticalização, o leque de alianças fica restrito e prejudicaria Lula, analisa Berzoini. PTB e PSB, dois aliados históricos de Lula, estariam fora da aliança, por exemplo. Sobre as incoerências petistas, afirma que o distanciamento entre Lula e o PT é uma tese sem fundamento. "Lula tem total consciência de sua vinculação com o partido. Ele não entrou no PT. Ele criou o PT", enfatiza. O PT, na visão do presidente da legenda, carregava consigo a visão da esquerda que estava "chegando ao poder". Essa visão é ultrapassada num modelo democrático, sustenta Berzoini. "É ilusão achar que se tem o poder", ensina. O PT começa a perceber que pode influenciar, mas não é governo. "O PT hoje tem total clareza de que não tem o monopólio das decisões do governo Lula, mas busca influenciar nas decisões." O maior erro do PT, reconhece Berzoini, foi ter tratado as eleições de 2004 como uma questão de vida ou morte. Isso levou o ex-tesoureiro Delúbio Soares a buscar financiamentos ilícitos para a campanha. Ele não nega que existiu, sim, corrupção na máquina do governo. "O que eu não concordo é com essa tese da oposição de corrupção sistêmica", rebate nesta entrevista ao Valor:
Valor: Mantida a verticalização, como o PT vai se comportar das eleições? Ricardo Berzoini: Apesar de ter votado junto com a bancada (a favor da verticalização), manifestei minha opinião contrária. Para que ela fosse coerente, teria que haver verticalização também nas eleições municipais. Confio no Supremo, que vai examinar essa questão à luz de sua constitucionalidade. Valor: O PT é favorável à verticalização por entender que dá coerência às alianças. O sr. discorda? Berzoini: O Brasil é um país muito heterogêneo, social, cultural e economicamente. O que é verdade para o Rio Grande do Sul não é verdade para o Acre ou Piauí. Vitórias importantes na luta pela melhoria política no país foram conseguidas em alianças que não necessariamente acompanharam a aliança nacional. No Acre, Jorge Viana venceu com apoio do PSDB. Valor: Como o senhor pretende evitar que o PT recorra ao STF se este derrubar a verticalização? Berzoini: Ninguém pode ajuizar ação de partido sem a opinião do seu presidente ou do diretório nacional. Essa discussão, se tiver que ser feita, será no diretório. A posição do PT, até o momento, é a de respeitar o que passou no Congresso . Ninguém votou enganado. Valor: É possível afirmar que a verticalização é melhor para Lula? Berzoini: Sim, embora comporte divergências. Continuo achando que, dentro da realidade brasileira, é bom para a democracia, para a dinâmica dos Estados, para os partidos e para a candidatura do presidente - se for candidato de fato - que não haja a verticalização. Valor: Por quê? Berzoini: Porque a possibilidade de termos manifestações regionais de apoio ao presidente estará mais livre, independentemente das opções nacionais dos partidos. Só para dar um exemplo: partidos como PTB e PSB terão dificuldades de ficar na aliança nacional se houver verticalização, especialmente por conta da cláusula de barreira. Valor: Então não é um descompasso o PT votar pela manutenção da regra, contra Lula? Berzoini: Existe uma tese de que há um distanciamento entre o PT e o presidente. Isso não existe. O presidente Lula tem total consciência de sua vinculação histórica, ele fundou o partido. O PT não tem, na minha opinião, nenhuma razão para se distanciar do presidente, ou vice-versa. Evidentemente, ele não pode agir como dirigente partidário. Lula é presidente da República e tem que dialogar com todos os partidos de sua base. Não pode privilegiar o PT por mais que saiba que o partido é a principal base. Valor: Esse distanciamento gera uma ambigüidade. O PT não é o governo, mas muitas vezes tem dificuldade de entender isso. Berzoini: O principal período de confusão foi o começo do governo. E de certa forma era natural. O PT sempre tratou a chegada ao governo federal de uma maneira, muito comum na esquerda, que é a "chegada ao poder". Defendi que, numa democracia, quando você conquista o governo federal, amplia sua capacidade de influência. Mas é errado ter a ilusão de que é poder. Valor: Os partidos de esquerda reclamam que foram ignorados. PP, PTB e PL alegam ter passado quatro anos sendo olhados com desconfiança. Essa é uma visão que existe de fato no PT? Berzoini: Um dos erros cometidos na eleição de 2004 foi tentar transferir a aliança nacional para os municípios. Quando você respeita a dinâmica local, tem um relacionamento mais franco e honesto com os seus parceiros. O PT nunca tratou nenhum partido com desconfiança. Sempre tratei o PTB, o PP, o PL e o PMDB como aliados importantes para garantir a governabilidade do país. Valor: Na reeleição, muitos petistas não querem a aliança com as "legendas dos mensaleiros". Berzoini: Acho uma tremenda injustiça tratar qualquer partido, genericamente, como mensaleiro. Se nós permitirmos isso, deveríamos permitir que o PT também seja considerado um partido mensaleiro, porque tem cinco deputados acusados. Eu refuto isso, até porque nenhum deles recebeu mensalão. Mensalão foi uma tese levantada pelo ex-deputado Roberto Jefferson que nunca foi provada. Na minha opinião, esses partidos têm que ser tratados com respeito. Fazem parte da base do governo e foram vitais, por exemplo, para dar a vitória ao deputado Aldo Rebelo (presidente da Câmara). Valor: O senhor disse que o mensalão não existiu. Mas, houve sim pagamentos a parlamentares. Berzoini: Pagamentos a parlamentares é uma interpretação. Todos os casos verificados até agora foram de pessoas que receberam recursos para pagamento de despesas de campanha, ou pré-campanha ou de dívidas eleitorais. Ninguém conseguiu provar que tenha havido qualquer acréscimo patrimonial ou pagamento de despesas pessoais com esse dinheiro. Valor: Estamos falando dos pagamentos, saques, não se os recursos foram para uso próprio ou campanha. Berzoini: A tese do Roberto Jefferson era que foi paga uma mesada, para comprar opinião. A insistência da tese do mensalão é compreensível por parte da oposição e por parte de setores da mídia. Mas não aceito enquanto tese, porque desqualifica o Parlamento e cria um descrédito na política. Valor: Ao negar a tese, o senhor simplifica o que ocorreu à existência de caixa 2? Berzoini: Caixa 2 de campanha, pagamentos de dívidas eleitorais e preparação de eleição. Esse é um problema do Brasil, do financiamento eleitoral. Não tivemos no Congresso a capacidade de construir um consenso para avançar. Como podemos resolver essa questão sem deixar os partidos eternamente reféns de pagamentos não contabilizados e da influência do poder econômico? Uma campanha presidencial, modesta, não sai por menos de R$ 20 milhões. Valor: Por que o PT tem dificuldade em discutir ou aceitar a possibilidade de corrupção no Estado? Há indícios de tráfico de influência, possível vinculação de estatais no esquema... Berzoini: Não temos dificuldade. Eu nunca disse que é impossível que exista corrupção na máquina federal no nosso governo. O que eu descarto, liminarmente, é que houve corrupção sistêmica para abastecer finanças partidárias. Tivemos três CPIs em funcionamento, o Ministério Público atuando fortemente, a Polícia Federal, a imprensa. Foram caracterizados como grandes indícios, que ainda carecem de comprovação, alguns contratos dos Correios, que a CPI está apurando. Manifestei publicamente a preocupação com o que ocorreu no caso Visanet, mas é bom registrar que começou em 2001. Se alguém nesse governo deu continuidade, não inventou o esquema, mas se apropriou dele. É o caso de Furnas, que também está sob investigação. Esses casos apontam indícios de que possa ter ocorrido algum grau de corrupção ou de procedimentos ilegais. Daí para extrapolar para o maior escândalo de corrupção da história... Ora, o caso das fitas da Telebrás, no governo Fernando Henrique Cardoso, é vinte vezes maior. Não quero comparar tamanho de escândalo. Quem conhece a máquina pública sabe que não há um processo de corrupção sistêmica. Há uma onda de denúncia sistemática. Tentam satanizar o Paulo Okamotto, o Luiz Gushiken, o José Dirceu. Viraram a vida do Dirceu pelo avesso e não conseguiram comprovar um só caso de ilegalidade cometida em dois anos e meio na Casa Civil. Valor: O presidente do Sebrae (Paulo Okamotto) quitar dívidas partidárias do presidente Lula pode ser considerado um escândalo? Berzoini: Não. Acho que não foi uma atitude prudente. E não é o presidente do Sebrae que o presidente Lula conheceu semana passada, é alguém com uma convivência de 30 anos que se responsabilizou pelo acompanhamento da situação financeira do então dirigente partidário. Tanto assim que ele tinha uma procuração para resolver pendências do presidente junto ao partido. Qual o partido político que cobraria uma dívida do presidente da República? O PT cobrou de seu filiado mais ilustre um adiantamento de viagem que estava em aberto. Valor: O PT analisa internamente um documento com fortes críticas à política econômica. Isso não pode prejudicar a reeleição de Lula? Berzoini: Esse é um debate recorrente. O PT não abrirá mão de manifestar opiniões em relação à economia. Sabemos que a política econômica do governo Lula não é resultante só do PT, mas da correlação de forças que extrapola a política partidária. O presidente Lula assumiu o comando numa situação de desestruturação da economia. Três anos depois, temos a situação totalmente revertida. A Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, nos deu hoje condições de colocar no mesmo patamar responsabilidade fiscal, controle da inflação e crescimento vigoroso. Valor: Mas o resultado econômico de 2005 foi bem abaixo do esperado. Berzoini: Eu acredito que o PIB de 2005 é um ponto fora da curva, não uma tendência. O que o PT coloca é que não cabe repetir a Carta ao Povo Brasileiro de 2002, pois era um compromisso com alguns elementos sobre os quais havia dúvida sobre a gestão petista. Nós temos condições agora de apresentar ao país um programa de governo para os próximos quatro anos com metas de controle de inflação e metas em relação ao crescimento econômico. Isso passa por uma execução orçamentária mais vigorosa, o que não significa, necessariamente reduzir o superávit primário. Valor: O PT pode propor metas ousadas de crescimento sem sugerir redução de superávit? Berzoini: Quando, em 2002, dissemos que o presidente Lula praticaria o superávit primário necessário para assegurar credibilidade à política fiscal do governo fizemos um compromisso não com as eleições, mas com o país. Não existe superávit primário ideal. O Brasil pode praticar 6% de superávit e ser bom, e praticar 3% de forma ruim. Quando surgiu o debate sobre déficit nominal zero, eu disse que considerava precipitado, porque só seria viável em condições políticas teóricas. Se pudéssemos fazer um ajuste deste tamanho, haveria um grande sacrifício a curto prazo e uma grande vantagem a médio prazo. Mas na política os tempos não são tão simples como numa equação matemática. Na política, temos que lidar com curtíssimo prazo, curto prazo, médio e longo prazo. O superávit primário não é um tema central, mas garantir uma execução orçamentária é. Valor: Num eventual segundo mandato discutir déficit nominal zero é utopia? Berzoini: É utopia dependendo da taxa de juros praticada. O que o PT disse é que não podemos ter como meta exclusivamente a responsabilidade fiscal e o controle da inflação. Nunca houve dentro do PT massa crítica para dizer que o superávit primário tem que acabar ou ser reduzido para 1% do PIB. Todos nós sabemos que isso significaria perda de credibilidade. Valor: Nem PSDB nem PT apresentaram um projeto econômico para o segundo mandato... Berzoini: O PT tem uma posição muito clara. Manter os fundamentos da política econômica, o superávit primário e prosseguir com a vigilância sobre a inflação. Temos que ter, na área de crédito, condições de reduzir os spreads bancários. Temos que aprofundar a utilização das estatais - BNDES, Petrobras, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil - para incentivar o desenvolvimento. E temos que investir mais em infra-estrutura, materializar as PPPs e continuar a ter uma política comercial agressiva. Valor: Haverá reforma da Previdência no segundo mandato? Berzoini: Não creio que seja fundamental uma reforma de regras, acesso aos benefícios. Ela é secundária perante a reforma da eficiência. O INSS precisa alcançar um patamar mais elevado de eficiência. Neste governo muita coisa já foi feita, mas é preciso avançar mais, especialmente no combate às fraudes, onde a fragilidade foi reduzida mas não equacionada. Valor: E a idade mínima? Berzoini: A discussão de estipular a idade mínima, que eu vejo voltar à pauta sistematicamente, só faz sentido se houver a pretensão de revogar o fator previdenciário. Valor: E a desvinculação do salário mínimo? Berzoini: Sou radicalmente contra. Acho que o mínimo de dignidade que precisamos garantir aos aposentados, pensionistas e outros beneficiários da Previdência é que possam receber a menor remuneração do país. Valor: O senhor está preparado para ser um dos coordenadores da campanha de reeleição de Lula? Berzoini: Já participei na outra eleição e acredito que a coordenação deve se constituir de pessoas da direção partidária e que o próprio presidente, se for candidato, escolher. Não temos nenhuma restrição. Aliás, os partidos aliados são extremamente bem vindos à coordenação. Na eleição, o centro de gravidade é o partido e, na reeleição, é a figura do presidente. Valor: O ministro Antonio Palocci seria um dos coordenadores? Berzoini: A coordenação formal de campanha deve ser constituída por pessoas que não tenham função no governo. Valor: Geraldo Alckmin como candidato do PSDB seria mais competitivo e traria mais preocupação ao PT? Berzoini: Os dois candidatos do PSDB têm pontos fracos e fortes, para eles e para nós. Não tenho nenhuma preferência. São candidatos diferentes em perfil psicológico, origem, trajetória. Serra é mais conhecido, mas vai ter que explicar porque não honrou o compromisso de ficar os quatro anos na prefeitura. Alckmin é menos conhecido, mas é um político com bom desempenho, capacidade de argumentação. Mas vai ter que enfrentar o debate sobre sua gestão no Estado de São Paulo, que tem pontos fracos, como segurança pública. Valor: É difícil imaginar o PT sem figuras como José Genoino, José Dirceu. Farão falta nessa campanha? Eles voltam? Berzoini: Tenho uma relação pessoal excelente com os dois, mas em função da minha agenda de presidente do partido e parlamentar, meu contato com eles é praticamente inexistente. O PT, como qualquer outra instituição, deve ter a capacidade de renovar suas lideranças. São duas lideranças que foram fundamentais na história do PT. Mas, neste momento, é importante para o PT dar sinais para a sociedade de que tem capacidade de renovação e que não personaliza sua linha interna. Valor: É preciso construir nomes competitivos para 2010. O PSDB já está pensando nisso. Berzoini: Diria que algumas pessoas no PSDB pensam mais em 2010 do que outras (risos). O PT, caso o presidente Lula se reeleja, terá que ter um planejamento para fortalecer lideranças, que passa, inclusive, pelos governos estaduais. Se ganharmos São Paulo, qualquer governador ou governadora, é potencial candidato. Temos figuras emblemáticas, mesmo que regionais, que podem ser incluídas nesse rol, como o prefeito de Belo Horizonte (Fernando Pimentel), de Aracaju (Marcelo Déda). Temos ministros como Jaques Wagner, Palocci, Dilma. E temos o ex-governador Olívio Dutra. Evidentemente, ninguém hoje tem um décimo da projeção do Lula. Agora nosso foco é reeleger o presidente Lula. Valor: O PT será a favor ou contra o fim da reeleição? Berzoini: Não há posição oficial. Pelo que percebo, o PT seria favorável a uma ampliação de mandato, sem reeleição. Eu serei favorável à unificação das eleições num único ano, com mandato de cinco anos. É problema grave ajustar isso, porque teria que haver ampliação de mandato. Acho que devemos fazer uma reforma política logo no começo de governo, com financiamento público de campanha, fidelidade partidária rigorosa e lista partidária. É a opinião do PT. Valor: Quem errou mais nos últimos quatro anos: o PT ou o governo? Berzoini: Acho que quem errou mais foi a oposição, ao criar um ambiente de denuncismo que se volta contra ela. Mas sem fugir da pergunta, acho que é impossível fixar a responsabilidade maior. O principal erro que o PT cometeu foi tratar as eleições de 2004 como questão de vida ou morte. Disso derivou o tipo de financiamento de campanha que o ex-tesoureiro estruturou. Não havia razão nenhuma para isso.
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