Quem matou a escola pública?
Eduardo Guimarães
O título faz uma pergunta que pretende responder. Pergunta, com grande propriedade, "Quem matou a escola pública?", porque dizer que ela foi assassinada é um dos poucos consensos neste país.
Ela era saudável. Sua excelência era reconhecida por todos. Do mais rico ao mais pobre, todos desfrutavam da possibilidade de estudar "de graça" em escolas sustentadas pelos impostos de todos e abertas ao ingresso de todos, em que pese que a escassez de vagas que vigia no ensino público naquele tempo fosse uma outra forma de barrar os mais pobres, pois conchavos entre as classes mais abastadas e os políticos distribuíam vagas primeiro entre os privilegiados, deixando as que sobrassem para uma fila de empobrecidos que foi aumentando.
Em 1964 foi desfechado um golpe de Estado no Brasil a pedido dos estratos superiores da pirâmide social. O mundo estava sendo invadido por idéias de igualdade de oportunidades para todos. Da Europa oriental vinha um movimento que propunha o fim das desigualdades de renda e de oportunidades e o fim da propriedade privada. Era preciso levantar "muros" entre a burguesia e o proletariado, e um desses "muros" foi erigido para combater a pregação do socialismo de que os pobres precisavam estudar. A procura pelo ensino público gratuito aumentava muito.
A partir da tomada do poder pelos militares em 1964, apesar de o Brasil ter conhecido um período de prosperidade artificial - desencadeado pelo endividamento externo - que o fazia crescer - bem como a arrecadação de impostos - a taxas que não se via em nenhuma parte do mundo - o que fez com que chamassem aquele processo de "milagre brasileiro" -, a escola pública foi morrendo à mingua, apesar de que parecia estar sendo democratizada através da ampliação de vagas. Os militares aumentaram as vagas, mas não aumentaram os recursos para escola pública na mesma proporção. E não foi por falta de dinheiro que fizeram isso.
O resultado foi logo sentido. No fim da década de 1970, pouco mais de dez anos depois da tomada do poder pelos militares, apesar dos anos dourados de prosperidade econômica que este país vivera já se via greves de professores do ensino público como nunca haviam ocorrido.
Em minha opinião, a simples leitura da história recente deste país revela um processo deliberado de destruição de sua escola pública. Os militares, que foram sustentados tanto no golpe de Estado como em sua permanência no poder por elites que queriam barrar qualquer possibilidade de distribuição de renda em resistência ao socialismo e em consonância com uma guerra fria desencadeada para combatê-lo, criaram a fórmula de os ricos pagarem pelos estudos de seus filhos em escolas onde de fato aprenderiam para depois serem ressarcidos num processo de seleção injusto criado para beneficiar os que tivessem formação minimamente adequada.
Qualquer análise que se faça hoje da composição étnico-social das melhores universidades do país - que são todas públicas - revelará que seus alunos são primordialmente brancos e oriundos das camadas mais ricas da população. Há casos extremos como o da Universidade de São Paulo (USP), onde a elitização só faz aumentar apesar de já abranger pelo menos uns 3/4 do corpo discente.
Quem matou a escola pública? Se você responder que foram os militares, enganou-se. O verdadeiro assassino são as elites que apoiaram o golpe militar de 1964 para que ele as defendesse de políticas de distribuição, não de renda, mas de oportunidades, o que tornou o Brasil o país de virtual maior concentração de renda do mundo.
Um projeto para um novo Brasil que aos poucos vai se libertando da dependência e externa em que foi atirado pelos governos neoliberais de Fernando Collor de Mello e de Fernando Henrique Cardoso será o de restabelecer um ensino público médio e fundamental de qualidade a fim de que todos possam desfrutar da benesse de o Estado oferecer estudo superior gratuito e de alta qualidade. Porém, é claro que um programa de resgate da escola pública demoraria, na melhor das hipóteses, pelo menos uma década para surtir efeito se fosse implementado desde já. Nesse intervalo, então, será preciso que as classes desfavorecidas recebam alguma compensação das elites pelas décadas em que uma foi prejudicada pela outra.
Cotas nas universidades públicas são uma medida de justiça para com as classes sociais prejudicadas pelo assassinato deliberado da escola pública brasileira, cometido pela ditadura militar para pagar o apoio que os golpistas receberam das elites. As cotas, portanto, devem vigorar por pelo menos uma década depois que for comprovada a melhora efetiva do ensino público médio e fundamental. Essa é a pena a ser paga por quem matou a escola pública. Uma pena até branda diante de crime tão monstruoso.
Escrito por Eduardo Guimarães às 14h22
Alyda
Só os peixes mortos seguem o curso do rio.
O Informante
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