sexta-feira, fevereiro 17, 2006
Os desafios do Brasil
José Dirceu
Ex-chefe da Casa Civil
Reinicio minha participação na imprensa, agora com regularidade, depois de uma longa ausência, durante os 30 meses em que ocupei o cargo de ministro-chefe da Casa Civil no governo do presidente Lula, e dos longos meses em que defendi meu mandato parlamentar. De 1980 a 2002, como parlamentar e presidente do PT, escrevi de tempos em tempos para, praticamente, todos os órgãos de nossa imprensa escrita.
Meu tema será o Brasil e seus desafios, o que já construímos e o que falta fazer, como fazer, como organizar as forças políticas e sociais para concluir o sonho dos que lutaram pela liberdade e independência, e consolidaram nossa nascente democracia.
Não existe nenhuma dúvida de que estamos alcançando um patamar de desenvolvimento que não tem retorno. Depois de realizar, nos últimos anos, algumas tarefas fundamentais, o Brasil está preparado para enfrentar seus desafios históricos, pôr fim à pobreza, consolidar uma democracia participativa, integrar-se e integrar a América do Sul.
Não foi pouco o que se realizou: estabilizar nossa economia e retomar o crescimento, com a criação de 3,57 milhões de empregos em três anos. Serão cinco milhões em quatro anos. O esforço fiscal e monetário, duro, não foi em vão, porque acompanhado de políticas que criam as condições para o desenvolvimento: fim das privatizações e reorganização das estatais, retomada do papel de fomento dos bancos públicos, implantação de uma política industrial e de inovação, desdolarização de nossa dívida interna e superação de nosso eterno estrangulamento externo. Apesar do arrocho fiscal e monetário, avançou-se na política de aumentos do salário mínimo e de investimento em educação e saúde; implantou-se o Bolsa Família, e ampliaram-se os gastos em assistência social.
Mas novos pontos de estrangulamento surgiram. Os problemas estão aí, são graves e precisam de respostas. Em primeiro lugar, estão as reformas política e administrativa. É urgente a reforma política, que não se resume ao modelo de financiamento das campanhas eleitorais, mas decorre, principalmente, da incapacidade de nosso sistema político eleitoral de formar maiorias parlamentares e assegurar a governabilidade no presidencialismo. E, para enfrentar o grave problema de gestão e recursos humanos, faz-se necessária uma ampla reforma administrativa, começando por dar, à Secretaria de Recursos Humanos e de Gestão, status de Ministério, ou que a vincule à Presidência da República.
A segunda urgência é garantir um incremento forte e constante, já iniciado, nos investimentos em educação e inovação, sem o que todo o esforço de crescimento será inócuo. Somente uma revolução educacional e cultural, com o fim do analfabetismo e a universalização do ensino médio e técnico-profissional, até 2010, dará ao Brasil condição de eliminar a pobreza nos próximos 25 anos.
A terceira demanda é dar continuidade à política de investimentos na infra-estrutura social e econômica do país. Ouso propor que o governo federal assuma, como tarefa da União, enfrentar os graves problemas das nossas regiões metropolitanas, criando um Fundo Nacional Urbano, ou ampliando o objeto do atual Fundo Nacional de Habitação. Não acredito que os Estados e Municípios, com suas dívidas com a União e seu serviço (que consome, em média, 15% de suas receitas líquidas), possam, em uma década, superar nosso vergonhoso déficit habitacional, sanitário e de transportes coletivos. Déficit que, aos poucos, inviabiliza a vida nas metrópoles, pelos elevados custos para a atividade econômica e pelo agravamento do desemprego e da violência, reveladores da ausência de uma política social e cultural para as grandes periferias.
O quarto desafio é combinar a estabilidade necessária com uma política de desenvolvimento. Nossa dívida interna, pelo seu prazo e tamanho, torna inviável qualquer política de aumento dos investimentos públicos, mutilando o papel do Estado no planejamento nacional e na distribuição de renda. É hora de reduzir os juros e o superávit, sem descuidar do combate à inflação e da administração da dívida interna.
Por fim, temos que ter consciência do papel do Brasil na América do Sul e Latina. O processo político de integração, que se consolidou nos últimos anos, abre uma oportunidade histórica de integrar, com base no Mercosul, a América do Sul; sem isso, não haverá desenvolvimento para nenhum país isoladamente.
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