sábado, janeiro 14, 2006



Gil declara guerra à elite da cultura na Carta Capital


Capa da edição nº 376

A edição da revista Carta Capital da próxima semana, que saiu ontem, traz entrevista exclusiva com o ministro da Cultura Gilberto Gil, em que ele denuncia que por trás do aparente "emparelhamento" de sua gestão existe a indignação da elite dominante com políticas que não beneficiam apenas a mesma panela de artistas, mas sim ampliou o acesso ao apoio e ao patrocínio cultural. "A razão da queixa contra o ministério da cultural é que os artistas famosos têm hoje menos acesso ao recursos que nós estamos redistribuindo", diz Gil.
Na matéria, assinada por Pedro Alexandre Sanches, o ministro e compositor alfineta também a mídia: "A mídia trabalha numa forma de absolutismo consentido. Pode tudo, pode dizer, desdizer, manipular e ninguém reclama".
Apesar de ter vindo da mesma “classe dominante”, Gil afirma que sua missão era outra, além da retórica a que estávamos acostumados. Mas real. Uma evidência seria o fato de que os críticos mais ferozes e renitentes das atuais políticas (ou da falta delas, segundo os opositores) têm nomes como Ferreira Gullar, Luiz Carlos Barreto, Marco Nanini e até mesmo o amigo e parceiro histórico Caetano Veloso.
“Os artistas consagrados e bem-sucedidos não gostam de ser elencados na classe dominante, mas são. Nós somos classe dominante”, provoca o ministro, incluindo-se na elite, no meio das contradições. Gil explica assim a hostilidade da imprensa e a zanga dos “privilegiados” contra sua gestão num ministério que, segundo ele, se empenha em inverter a lógica dominante e “atender áreas periféricas que nunca foram atendidas”.
Velhos beneficiados e super amigos
Em editorial, o jornal O Globo, na última quarta-feira (11), afirmou que "há no BNDES R$ 10 milhões para financiar filmes. O edital seria dirigido para, salvo exceções, alijar grandes nomes, punir o sucesso". Segundo a Carta Capital apurou, no resultado desse concurso público - que teve 178 inscritos e 30 pré-selecionados para a defesa oral, será divulgado apenas na semana que vem - ficaram de fora Luiz Carlos Barreto, seus filhos Bruno e Fábio (três projetos ao todo), Paula Lavigne, Paulo Thiago, Tisuka Yamazaki e Daniel Filho. Todos ligados direta ou indiretamente às recentes críticas ao ministério.
O início se deu quando Ferreira Gullar, numa sabatina do jornal Folha de S. Paulo em 21 de dezembro, afirmou que, apesar de não acompanhar os feitos do ministério, ouvia dizer por aí que "os projetos não andam" e acusou Gil de "centralização". Quem respondeu foi Sérgio Sá Leitão, secretário de políticas culturais do MinC, que entre outras coisas, provocou dizendo que "a centralização não era marca registrada dos finados regimes stalinistas dos quais Gulllar foi e segue sendo um defensor?".
O poeta e ex militante do PCB, rebateu afirmando que a resposta do MinC parecia um comunicado do SNI. Daí em diante foi muito fácil angariar aliados contra o ministério. Ademais à resposta estapafúrdia do secretário, o que estava, e está, no centro da questão é a ampliação da política cultural do governo, que valoriza a produção popular e não a produzida pela elite ou por sua indústria cultural.
A seguir, parte do "ping pong" que a revista fez com o ministro da Cultura na última segunda-feira (9).
As críticas que o Ministério da Cultura vem sofrendo e revidando voltam a falar em “centralização”, “stalinismo” e “totalitarismo”. Que há por trás delas?
Gilberto Gil: Acredito que essas queixas são em relação ao atendimento geral que o ministério e as estatais vêm dando aos filmes, adotando políticas públicas de fomento um pouco mais abertas e democráticas. Zelito Viana é que vai ter de explicar por que pediria minha cabeça. Não vejo nada por trás, a não ser questões políticas, que podem ser trazidas para cá. Há o setor tucano contra o PT e a gestão Lula, a campanha política que vem aí. No momento em que já se põe a questão da sucessão, os descontentamentos se transformam em antagonismo político real. Há setores da área cultural que participam desse conflito.
Nos últimos meses, sua gestão foi criticada sucessivamente por Paulo Autran, Marco Nanini, Gerald Thomas, Ferreira Gullar, Caetano Veloso, todos representantes da elite da cultura brasileira. Por que estes estão especialmente críticos?
GG: Acho que tem a ver com a discriminação positiva, digamos assim, que estamos tentando fazer, focando áreas que não eram focadas e, portanto, estabelecendo um conflito distributivo com esses setores. É um conflito que não existia nessa intensidade antes, porque eles tinham acesso a recursos que estão sendo redistribuídos. Estamos tentando trabalhar com um pouco mais de atendimento periférico, com os Pontos de Cultura, as políticas para museus que estamos descentralizando. O programa Monumenta está fazendo trabalho de patrimônio histórico em cidades do interior de Minas Gerais, Sergipe, Bahia, Maranhão, Rio Grande do Sul... É a característica seletiva do governar.
Seletiva e descentralizadora? Gullar critica o MinC justamente pelo inverso, por ser supostamente centralizador.
GG: Não vejo isso. Eu queria uma demonstração desse caráter centralizador do ministério. Eu mesmo preciso saber. O que nós estamos centralizando? O próprio Gullar diz que não acompanha nosso trabalho, que tem notícia do que estamos fazendo por outros. Isso tem a ver também com a dificuldade de informação que nós temos, que, aliás, é uma dificuldade geral do governo Lula. Há uma dificuldade de mostrar o que está sendo feito. Isso tem a ver com deficiências do próprio governo, mas também com uma dificuldade de encontrar espaço na mídia.
Devida a quê?
GG: Acho que é uma indisposição generalizada contra o governo. A pauta positiva não é uma preferência, as pautas negativas têm muito mais apelo e interesse jornalístico. É esse absolutismo consentido com que trabalha a mídia, que pode tudo, pode dizer, desdizer, manipular, fazer e desfazer e contra isso não há grandes insurreições. Com relação ao governo, ao contrário, ele está o tempo todo sendo questionado sobre seu modo de agir.

VERMELHO

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