quinta-feira, dezembro 01, 2005
A demagogia
eleitoreira de FHC
Por Altamiro Borges
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é realmente um cínico – além de vaidoso e pretensioso. Na longa entrevista que concedeu à nova revista do PSDB, Agenda 45, lançada no convescote tucano deste final de semana, ele tenta vender a imagem de que é um santo e culpa o governo Lula por todos os males que afligem o país. Após ser escorraçado nas urnas em 2002, numa eleição em que os cinco candidatos da oposição somaram mais de 77% dos votos no primeiro turno, em que até o candidato governista tentou se travestir de diferente e em que Lula foi eleito com quase 53 milhões de sufrágios, FHC aposta na ausência de memória para alavancar a revanche do bloco liberal-conservador em 2006. É muita desfaçatez!
Nesta peça propagandística, feita sob encomenda por um jornalista de aluguel, o ex-presidente fala várias vezes em desenvolvimento, democracia e justiça. Até parece que seus oito anos de reinado transformaram o Brasil num paraíso. Seria cômico se não fosse trágico. Vale a pena, então, refrescar a nossa memória:
No terreno econômico, os dois mandatos de FHC foram um desastre. Apesar dele ficar irritadinho na tal entrevista, “que herança maldita, que nada”, ela foi, de fato, maldita. Seu governo deixou o país quebrado, totalmente pendurado na brocha. A média de crescimento foi de menos de 2% - em três anos (1998, 1999 e 2002), beirou apenas 1%. As taxas de crescimento foram as menores do século passado e a economia nacional retrocedeu de nona para décima primeira posição entre as maiores do mundo. Além de estagnar a economia, o governo sucateou boa parte da infra-estrutura – estradas, energia elétrica, saneamento, etc. – cortou drasticamente os investimentos públicos e desorganizou a produção nacional.
No triste reinado de FHC, o Brasil ficou ainda mais vulnerável. O Estado foi privatizado: 134 empresas estatais, a maioria em setores estratégicos da economia, foram “vendidas” à iniciativa privada. Junto com a criminosa desestatização, veio o brutal processo de desnacionalização. Já em agosto de 1995, a Emenda Constitucional no 6 eliminou a distinção entre empresa nacional e estrangeira. Pior ainda ocorreu com a legislação sobre o capital financeiro, que foi desmontada, o que fez com que o país virasse um paraíso da especulação. A presença do Brasil no comércio mundial também despencou. O superávit comercial, que girava em torno de US$ 10 bilhões anuais desde de 1984, desapareceu no ralo da libertinagem neoliberal.
Do ponto de vista fiscal, o governo FHC foi o mais irresponsável de toda história republicana. Recebeu da gestão anterior uma dívida liquida federal de R$ 65,8 bilhões e deixou para seu sucessor um rombo de R$ 560,8 bilhões. Ao mesmo tempo, a sua gestão extorquiu a sociedade. Em 1994, os brasileiros pagavam R$ 378 per capita em tributos federais; em 2001, pagavam R$ 1.168,00. Em síntese, para não cansar com os dados econômicos, ele não tem moral para dar lições sobre desenvolvimento. Suas palavras na entrevista – “vamos apresentar uma agenda clara, que aponte um caminho seguro e ambicioso de desenvolvimento para o país” – soam falsas e demagógicas. Servem apenas para demonstrar todo o seu oportunismo.
FALSO DEMOCRATA
Já no terreno político, FHC tenta posar de democrata convicto e fustiga: “Lula sempre manifestou solene desprezo pelo Congresso”; tem “uma concepção autoritária da política”. Rarará! Quem é ele para falar em democracia? Afinal, governou por meio de Medidas Provisórias, similares aos decretos-leis dos militares. Ao todo, assinou 5.300 MPs, numa média de 38,74 por mês no primeiro mandato e de 81,51 no segundo – Sarney editou 6,1 por mês, Collor, 5,2 e Itamar, 18,8. Além disso, seu governo mutilou a Constituição de 1988, baixando 34 emendas que alteraram 77 artigos, introduziram 16 novos e revogaram outros dois. Com isso, FHC tentou criar uma “blindagem institucional” para inviabilizar futuras mudanças no país.
No panfleto tucano, FHC chega ao desplante de afirmar que “é preciso criar instituições que ampliem as oportunidades de participação da sociedade nas decisões”. Deve estar se referindo à ocupação do Exército nas refinarias durante a greve dos petroleiros, em maio do 1995; ou às medidas tomadas para criminalizar o MST e para castrar o sindicalismo; ou à total omissão diante dos crimes do latifúndio, como na chacina de Eldorado do Carajás; ou à ausência de canais de diálogo com os servidores públicos, que ficaram oito anos sem reajuste salarial e sem qualquer oportunidade de negociação com o governo. O autoritário FHC, sempre elogiado pela mídia venal e conservadora, não tem moral para falar em democracia!
Na questão social, o cínico entrevistado fala em “extirpar os bolsões de miséria” e afirma que o PSDB tem “boas credenciais e autoridade para liderar a luta contra a violência”. Rarará! No seu governo, o país se tornou o terceiro pior do mundo em mortes violentas de jovens. A mortalidade anual saltou de 35 mil para 52 mil entre 1990-2000, um aumento de quase 50%. Já o desemprego, maior culpado pela miséria, pulou de 4 para 11,4 milhões nos seus oitos de mandato – um milhão de desempregados a mais a cada ano de gestão. A informalidade e a precarização atingiram dimensões trágicas. Se antes, de cada 10 pessoas que ingressavam no trabalho oito tinham carteira assinada, no seu reinado apenas uma possuía registro.
Diante do vertiginoso aumento da miséria, o governo FHC não adotou nenhuma ação consistente para combatê-la. Seus 11 programas sociais não tinham qualquer sinergia e eram meramente assistencialistas. O Bolsa Escola, por exemplo, doava apenas R$ 15 mensais. FHC fez muita propaganda destes programas, mas vale lembrar que 90,3% dos recursos destinados à ação social já estavam assegurados na Constituição de 1988, como a aposentadoria rural. Não dependeram da boa vontade do presidente, que ainda tentou reduzir os recursos para reforçar o superávit primário. A insensibilidade social do tucanato foi tremenda, o que torna risível e grotesca a entrevista deste representante dos consumidores de luxo da Daslu.
Por último, no que se refere à questão da ética, o ex-presidente, acusado de incontáveis atos de corrupção, ataca duramente o governo Lula por “improbidade na gestão da coisa pública” e por “fazer do parlamento um balcão”. É muito hipocrisia! Vale citar um único caso para desmascará-lo. A Emenda Constitucional que garantiu sua reeleição, de janeiro de 1996, só vingou graças ao esquema de compra de deputados, que envolveu pessoalmente seu ministro das Comunicações, Sérgio Motta, e o ex-presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães, filho do “santo” ACM. Segundo gravações telefônicas, a operação custou milhões de reais. “Todo mundo pegou na faixa de 200, 300 mil...Era deputado toda hora ligando, era senador ligando, era ministro ligando”, festejou Ronivon Santiago, do PFL do Acre, numa das gravações grampeadas.
VAIDOSO E DEMAGOGO
A entrevista de FHC tem, ao menos, dois méritos. Confirma que o ex-presidente é um vaidoso crônico. Se pudesse, postularia ser Deus! Ele não pára de se gabar – e, como ensinou Balzac, “quem se jacta muito de seus feitos é porque poucos feitos têm para se jactar”. Ele chega a insinuar que é o responsável pelo frágil crescimento econômico no atual governo. Para ele, as privatizações, “feitas no meu governo”, salvaram o país. Esquece que quando assumiu, a tarifa telefônica custava 44 centavos; em de 2001, era de R$ 14,11; que a telefonia privatizada tornou-se o principal alvo das queixas no Procon; que a privatização da energia resultou num apagão e num racionamento que durou sete meses. O vaidoso geralmente não vê seus erros!
O outro mérito é que a entrevista sinaliza qual será a estratégia eleitoral do PSDB para 2006, que tentará esconder os desastres do passado tucano e se apresentar como o novo indutor do desenvolvimento. FHC chega ao descaramento de criticar “a ultra-ortodoxia na política econômica”, logo ele que impôs a camisa-de-força dos juros elevados, do superávit fiscal e da libertinagem financeira. Para evitar esta armadilha, o governo Lula precisa urgentemente rever as suas orientações macroeconômicas e ser bem mais ousado na denúncia política da “herança maldita” de FHC. Do contrário, será presa fácil deste oportunismo eleitoral!
Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor, junto com Marcio Pochmann, do livro “Era FHC: A regressão do trabalho
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