quarta-feira, novembro 23, 2005





Terrorismo mediático
Por Izaías Almada

A liberdade em proveito próprio, a impunidade e a irresponsabilidade com que parte da mídia brasileira vem tratando a vida política nacional, além de demonstrar cada vez mais claramente que “liberdade de expressão e opinião” é tão somente a liberdade de expressão e opinião dos donos de jornais, revistas e canais de televisão, começa a criar a necessidade de discutir no país – e com alguma urgência – os limites éticos e de responsabilidade social que devem permear os órgãos de informação.
Os últimos quatro meses da nossa vida política se caracterizaram por um caudal de denúncias baseadas em suposições, denúncias premiadas, tentativas de chantagem, suspeitas sem confirmação, versões apresentadas por pessoas já falecidas, doleiros cumprindo pena, investigações apressadas e inconclusas, intimidação, julgamento sumário sem direito a defesa, num flagrante desrespeito às leis e aos direitos humanos mais elementares.
Com tal violência e desrespeito se lançou a mídia contra um governo eleito democraticamente e ao partido que lhe dá sustentação, apoiada em interesses explícitos e não explícitos de políticos do PSDB, PFL e outros esbirros da direita conservadora, racista e entreguista, que já não existe cidadão brasileiro que não comece a duvidar da sua própria honestidade e integridade. Esse furor democrático de mão única conseguiu lançar a esquerda brasileira na fogueira, criando divisões e desconfianças que só favorecem ao reinado da impunidade daqueles que, de acusados, viraram acusadores. Dos que venderam o país por trinta moedas. Dos que tapam o nariz para não sentir o cheiro do povo.
Estive recentemente em Caracas para conhecer de perto e com mais propriedade a experiência da revolução bolivariana naquele país que – como se sabe – sofreu uma frustrada tentativa de golpe de estado em abril de 2002. Golpe que durou quarenta e oito horas e se valeu, sobretudo, das mentiras articuladas pela mídia. Golpe já comprovadamente apoiado pelo governo Bush.
Fui ver de perto o cenário, conhecer pessoas e fazer entrevistas com personagens que participaram e participam do atual processo político venezuelano, processo esse que tem despertado grandes controvérsias na América Latina e em todo o mundo. O material servirá de subsídio a um livro sobre a integração cívico-militar naquele país, onde o povo e as forças armadas se propuseram a mudar os rumos de uma sociedade em que a miséria de 80% da população estava na razão inversa da riqueza proporcionada a poucos pelos dividendos do petróleo, a maior riqueza do país.
Entre os entrevistados conheci a figura amável do doutor Eládio Ramón Aponte Aponte, magistrado e presidente da Sala de Casación Penal, uma das salas que compõem o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, órgão máximo do poder judiciário venezuelano. Militar reformado, tendo pertencido à Guarda Nacional, o doutor Eládio reúne vários títulos acadêmicos, como os de mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Carabobo e doutor em Direito pela Universidade de Zulia. Entre outros, exerceu o cargo de Assessor da Comissão Permanente de Defesa e Segurança na Assembléia Nacional, o Congresso venezuelano. Ao final de nossa conversa, o magistrado ofereceu-me um livro de sua autoria contendo conferências feitas na ONU e, em particular, uma conferência feita em Bangkok, na Tailândia, em abril de 2005, sobre Prevenção de Delito e Justiça Penal em relação ao terrorismo. Pediu que eu lesse com especial atenção a sua tese defendida sobre o que ele chama de terrorismo mediático.
Reproduzo-a parcialmente:
“O terrorismo não deve ser conceituado e considerado apenas em sua forma genérica, mas é necessário definir os diferentes tipos que lhe dão forma. No dia-a-dia das nações ocorrem atos de terrorismo que não respondem ao conceito tradicional e ordinário que se faz do mesmo, por não se dar mediante ruído ou escândalo, nem ser de efeito imediato. Esse terrorismo se verifica em atos que não são produzidos por uma detonação violenta de uma bomba, por exemplo, com vítimas quantificadas, mas que ainda assim está dirigido a produzir um efeito de pânico ou pavor, mediante uma intervenção de hora em hora, de minuto a minuto, segundo a segundo, em nossas atividades: refiro-me concretamente ao terrorismo mediático, exercido por alguns meios de comunicação de nossos países com um só e único fim, qual seja o de obter um efeito de terror na população mediante um constante discurso e publicidade, com o deliberado propósito de conseguir um objetivo político que persegue a desestabilização de um governo legitimamente constituído. A seqüência desproporcionada de mensagens produz na população um efeito de terror ou pânico que obviamente termina por influir de tal maneira o cidadão (leitor ou espectador), que o induz a tomar decisões erradas e com tal grau de confusão que se lhe bloqueia ou desvia o discernimento”.
O leitor, por acaso, ainda se lembra que a crise política em que o país mergulhou começou com um show mediático do deputado cantor Roberto Jefferson?
Vítimas do próprio veneno, alguns parlamentares já falam em dar “surras” no presidente da República, num exemplo claro e vivo de que o respeito pelas instituições democráticas que tanto defendem só vale numa direção, aquela que os favorece. Que tal se a sociedade brasileira começasse a pensar seriamente em discutir e combater o terrorismo mediático? Nesses momentos, sempre me vem à memória a emblemática prisão de Al Capone nos Estados Unidos. Acusado de vários crimes, o famoso gangster só foi preso por fraudar o Imposto de Renda. Como será que andam nossas principais empresas de comunicação em relação aos impostos devidos, ao INSS, à tentativa de monopólio e outros quesitos legais? Quais são os compromissos de uma emissora de televisão, por exemplo, com o país e com seu povo, quando recebe uma concessão pública para explorar em privado a informação? O bem coletivo, o patrimônio cultural e as riquezas matérias de um povo estão acima dos interesses de grupos e empresas privadas, muito especialmente daquelas que “manipulam” a informação. É bom não nos esquecermos disso nas próximas eleições presidenciais.

Izaías Almada é escritor e dramaturgo.

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11.2005
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NOVAE
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