segunda-feira, novembro 21, 2005
Sou mais o nosso
LULA da Silva brasileiro
Da série “O jornal de ontem”:
1952-2005
Em 1952, Golbery já construía o que ele chamava de “modelo de desenvolvimento ancorado a mundos desenvolvidos” (SILVA, Golbery do Couto. Geopolítica e Poder. s/l. s/d, cópia xerográfica, p. 471). O golpe de 1964 foi o ‘braço armado’ da implantação desse modelo de desenvolvimento – no Brasil e, aliás, em toda a América Latina, então.
Essa metáfora golberysta – o “ancoramento” subalterno do Brasil às economias dos países do capital ‘central’ – sempre foi muito cara aos peessedebistas fernandenriquistas, mascarada no discurso da ‘modernização’ ou, muitas vezes, ‘das vantagens da globalização’. E, sempre, da ‘moralização’.
Em 1955, lia-se com todas as letras, n'O Estado de S. Paulo:
"Jornal de oposição, isto é, jornal que não se enfeuda nem se enfeudou nunca a grupos, partidos, ou governos – a independência de que legitimamente nos orgulhamos dá-nos força moral para aconselhar a quem nos lê a que perfilhe como sua a causa de moralização, ordem e de respeito encabeçada pela UDN." (OESP, 28/9/1955. “O nosso conselho”. Apud BIROLI, Flávia. "Jornalismo, democracia e golpe: a crise de 1955 nas páginas do Correio da Manhã e de O Estado de S. Paulo". Rev. Sociol. Polit. [online]. jun. 2004, n. 22 p.87-99. Na Internet, em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782004000100008&lng=pt&nrm=iso).
O golpe de 64 foi o meio violento e ilegal de limpar o terreno – afastar todas as resistências ao tal ancoramento, pela violência. As privatizações de FHC foram o meio legal de implantar e construir aquele sempre o mesmo “ancoramento”, proposto como ‘automaticamente’ moral e ético e legítimo, posto que vinha com o ‘aval’ da sociologia uspeana (paulista e udenista, sempre).
A metáfora do “ancoramento” subalterno do Brasil aparece repetida por FHC no “Discurso de Despedida do Senado” (14/12/1994, na Internet, em https://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/DESPED.HTM ).
Naquele momento, na véspera do dia em que assumiria a presidência da República pela primeira vez (para lá ficar por longuíssimos 8 anos), FHC oficialmente ‘auto-ancorou-se’ ao modelo político-econômico de desenvolvimento subalterno que o Gal. Golbery construíra e que a ditadura implantou.
Para FHC a ditadura não foi nem assassina nem, de modo algum, uma tragédia; para ele, foi uma etapa de um processo, afinal, benéfico, louvável: houve um período autoritário (que já seria “página virada da História do Brasil” [loc.cit.]) e, então, com FHC e seu governo ‘de intelectuais uspeanos’, o mesmo processo prosseguiria...
Em seguida, então, no mesmo discurso, FHC recupera, daquela ditadura, a parte que, para ele, continua válida e perfeitamente recuperável. Diz FHC, em 1994:
“ainda há um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas — ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista.” [Loc. cit.]
A partir daí, nesse discurso-programa, FHC alinha, uma a uma, todas as medidas e políticas que, daquele momento em diante, ‘construiriam’ o tal de “Brasil ancorado” que o Gal. Golbery ideou, como modelo teórico; e que os governos do PSDB, dali em diante, cuidariam de implantar, ano após ano – num processo que não encontraria oposição, antes da eleição do presidente Lula, em 2002.
Em 2000, na Folha de S.Paulo, Luiz Nassif anotava, correto:
“Na penosa luta pela responsabilidade fiscal, o primeiro grande nome da década foi o do ex-presidente Fernando Collor. Por meio de medidas radicais (bloqueio de cruzados novos, taxação violenta de IOF sobre ativos não-financeiros) e de uma gestão responsável dia a dia, logrou deixar para seu sucessor um Estado em ordem, com a dívida pública sob controle.
Esse equilíbrio foi arrebentado no governo Itamar Franco, especialmente sob a gestão econômica do então ministro Fernando Henrique Cardoso. A gestão FHC foi a mais paradoxal de todas.” [Luiz Nassif, FSP, 30/12/2000, na edição impressa e na Internet, http://fws.uol.com.br/folio.pgi/fsp2000.nfo/query=fernando+henrique+cardoso/doc/{375,0,0,0}/hit_headings/words=4/hits_only?]
Em 2003, novamente o mesmo projeto de “ancoramento” reaparece, explícito, no 'blog' E-Agora, dos Fernandenriquistas. Às vezes, aparece exatamente a metáfora do “ancoramento”; às vezes, a metáfora é transformada em “sintonia”.
Em 2005, HOJE, por exemplo, ainda se lê, naquele blog, o seguinte:
"Nem o PT, nem o ‘PT-no-governo’ têm um projeto para o Brasil sintonizado com o mundo atual. O projeto do PT e do governo Lula – se estivesse claramente formulado – seria, não há como negar, algum tipo de “neo-nacional-desenvolvimentismo” (4/9/2003-4/10/2003. “Organizar uma resistência democrática no Brasil” [7 artigos], Blog E-Agora, em http://www.e-agora.org.br/conteudo.php?cont=artigos&id=10_0_3_0_M ).
Naquele famigerado “Discurso da Despedida do Senado”, em 1994, FHC faz um balanço histórico das últimas décadas, no Brasil.
Contudo, espertamente – e bem pouco ‘sociologicamente’! – o tal ‘sociólogo’ ‘pula’ o governo Collor! Não o cita! Collor é referido, por FHC, como “o governo anterior ao do presidente Itamar Franco”; um governo que, na opinião de nosso ‘sociólogo’, não teria passado de “uma coorte de desatinos”.
Houve muitos ‘desatinos’, não há dúvida. Mas, com Collor, podemos talvez ter assistido a um primeiro movimento de resistência ao que havia antes dele. Nesse caso, Collor pode ter sido afastado, menos por seus defeitos (que teve, e muitos) e mais por suas qualidades – ainda que, no caso de Collor, as ‘qualidades’ fossem apenas de ‘intenção’, ou de ‘desejo’, sem meios objetivos para serem implantadas de forma menos ‘doida’.
Imediatamente depois de Collor, viriam Itamar, com FHC-ministro. Esse ministro, sim, esteve expressamente dedicado a retomar a operação de ancorar o Brasil, subalternamente, ao FMI; o mesmo ‘ancoramento’ subalterno da economia brasileira, com que Golbery sonhou e contra o qual, no Brasil, antes do golpe militar de 1964, só o governo Vargas lutara.
Em 2005, HOJE, Vinícius Torres Freire escreve, na Folha de S.Paulo, o que Golbery escrevia, em 1952:
“É preciso abrir a economia. A presente política comercial é besteira protecionista. Quais setores é preciso abrir para tornar a economia mais eficiente e exportadora? Como preparar as empresas para a competição?” (FSP, 21/11/2005, "Uma discussão burríssima". Na edição impressa, p. 2. Na Internet, em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2111200504.htm).
De importante a observar, ainda, que outras coisas também não mudaram muito, ainda, na mídia brasileira, em 50 anos:
(1) Golbery era chamado “o bruxo” (em tom de elogio; e, em 2005, ainda é objeto de estudo apaixonado pelo jornalista Elio Gaspari que, claramente, trabalha para recuperar a história do Gal. Golbery, como o ‘cérebro’ da ‘revolução’ de 1964; mesmo que Golbery só tenha trabalhado pra nos ancorar lá no fundo, e afogados; e mesmo que a ‘revolução’ tenha sido, apenas, um golpe);
(2) FHC-sociólogo-uspeano é chamado de “paradoxal” (tratamento elegante, afinal, dirigido àquela ‘sumidade’, mesmo que Nassif diga, corretamente, que, naquele momento, a tal ‘sumidade’ da sociologia universal estava arrebentando, inteirinha, a economia brasileira que, desde Collor, estivera tentando recompor-se).
Mas Lula – e todos os 62 milhões de brasileiros que, afinal, elegemos Lula CONTRA todos esses 50 anos de desmandos golpistas e entreguistas – já somos xchingados de “idiotas”, (i) ontem, por Clóvis Rossi; e de “burros”, (ii) hoje, por Vinicius Torres Freire (e sempre, em 50 anos, pela Folha de S.Paulo).
Novembro, 2005
Caia Fittipaldi
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