quinta-feira, novembro 17, 2005
Denúncia
Marcelo Rubens Paiva
"De onde falam?"
"Da redação, boa tarde."
"Queria fazer uma denúncia."
"Contra quem?"
"Não sei exatamente. Com quem que eu falo?"
"É contra o PT?"
"Tô tentando dormir e... Tô chocado."
"Tá todo mundo, companheiro, só se fala nisso."
"Com quem eu posso reclamar? É que aqui em cima..."
"Mas é contra o PT?"
"Não sei, é?"
"Vou te passar pro repórter que tá cobrindo. Um minutinho."
"Alô, alô?"
Pausa.
"Oi, quem é?"
"Eu queria fazer uma denúncia."
"Contra o PT, né? A telefonista me avisou."
"Não sei se é contra o PT."
"Pode abrir, cara, tá todo mundo falando o que sabe."
"Olha, não durmo direito."
"Tá difícil, a maior decepção. Não adianta falar do baixo clero, porque daí os caras dizem que só estavam cumprindo ordens, temos que ir direto à cúpula, temos de chegar em quem manda, em cima."
"Concordo, totalmente. Que bom que estamos nos entendendo. E quem é que manda?"
"Boa pergunta. Ninguém sabe ao certo. Achávamos que era o Zé Dirceu, mas ele nega. Tem o Delúbio, o Silvio Pereira... O presidente tá blindado. Por enquanto. Mas é contra eles a denúncia?"
"Não."
"É como chutar cachorro morto, certo? A gente tá precisando de algo novo."
"Contra quem?"
"Contra o Palocci."
"Coitado."
"Pois é, o senhor vê, até ele... Se não, meu amigo, passar bem. Um Abraço."
"Não desliga, não! Eu preciso de ajuda!"
"É contra o Palocci? Por que você não disse antes?"
"Você não está entendendo."
"Agora, estou. Fique tranqüilo, que é política da editoria não divulgar as fontes que não queiram se identificar, Uruguaio."
"Uruguaio?"
"Vamos chamá-lo assim."
""Quem?"
"Você."
"Mas, por quê?"
"Porque precisamos de um codinome, Deep Throat, Mister X... Vamos lá, Uruguaio, qual a denúncia?"
"Não curti esse codinome."
"Um minutinho, que vou ligar o gravador."
"Gravador?"
"Alô, testando. Um-dois, um-dois... Vamos lá, entrevista com Uruguaio, fonte do caso do mensalão, denúncia contra Palocci. Uruguaio, vírgula, que não gosta de ser chamado por este apelido, vírgula, afirma que até o ministro Palocci está envolvido no esquema de arrecadação ilegal de dinheiro para o financiamento das campanha do PT, ponto. Um minuto, o senhor falou com alguém antes?"
"Com este barulho? Tem uma obra aqui em cima."
"Não falou com outro órgão da imprensa, jornal, revista, rádio, TV?"
"Só com o senhor."
"Um minutinho. Deixa eu escrever na fita. EXCLUSIVO. Como é a denúncia?"
"Não sei. Eu tento dormir, minha mulher sugeriu ligar pra..."
"Deve ter se encontrado com alguém."
"Minha mulher?"
"O Palocci."
"O Palocci?"
"Se encontrou com alguém, era pra falar de caixa 2, certo?"
"Será?"
"Mas com quem?"
"Boa pergunta."
"Astral! Vamos chamá-lo de Astral. Palocci encontrou com Astral onde? Não pode ter sido no ministério, claro. Num shopping, tá batido. Num estacionamento, lobby de hotel... Ajuda aí, meu."
"Numa padoca?"
"Boa, para evitar câmeras de circuito interno. Numa padaria de Ribeirão Preto, vírgula, o ministro da Fazenda, vírgula, Antonio Palocci, vírgula, encontrava-se com Astral, vírgula, segundo denúncia de Uruguaio, vírgula, que não gosta deste codinome, vírgula, para negociar financiamento ilegal via caixa 2 da campanha do PT à presidência, ponto. O dinheiro era entregue... Como? Numa mala? Não. Numa baguete, isso. Preciso da voz de Astral, você sabe onde posso encontrá-lo?"
"Mas quem é Astral, afinal?"
"Um publicitário."
"Sério?"
"Deve ser. Não é você?"
"Eu?"
"Vai, pode falar, você liga assim, de uma hora pra outra, só pra fazer uma denúncia, você está metido nessa."
"Mas eu liguei porque tem uma obra aqui em cima."
"Tá, entendi, é dinheiro de empreiteira. O senhor quer dinheiro? A política da editoria garante o sigilo, mas não pagamos pelas informações. Quem paga é a..."
"Péra! Calma lá. O que você quer?"
"Confirme que você não é o Astral?"
"Mas não sou o Uruguaio?"
"Eu sabia! Preciso de uma voz, afirmando que testemunhou a entrega do dinheiro ao Palocci numa baguete, para podermos colocar no site e divulgarmos pelas TVs. Hoje em dia, sem voz, não dá."
"Tá, liga aí, eu falo."
"Já está ligado."
"Confirmo que o senhor ministro Palocci se encontrou com Astral numa padoca..."
"O senhor é de que planeta?! Tem de falar em código, se não, ninguém acredita. Pegou? Fala assim: A mosca pousou no pão francês, depositou a larva. Do bigode."
"A mosca pousou no pão francês, depositou a larva."
"E o do bigode?"
"Do bigode."
"Agora ri, porque corrupto ri de nervoso."
"Rá-rá-rá."
"Boa."
"Mas isso aconteceu, mesmo?"
"Como o Lula foi eleito, diz? E a grana do Duda? E o Zezé de Camargo, Luciano, coisa e tal, quem pagava, a militância? Conseguiram aquela grana vendendo estrelinha?"
"Você acha?"
"Este País é uma vergonha, os políticos estão sempre tramando. São 500 anos, amigão, 500 anos de exploração. E o povo faz o quê? Nada, só reclama. Mas você, não, é um herói! Resolveu dizer o que sabe. Precisamos pegar esses caras, dar um basta, não acha?"
"E alguém vai acreditar nisso?"
"Você não está arrependido, está? Seu gesto foi patriótico. Tem muita gente do nosso lado. Parabéns. E obrigado. Uruguaio."
E desliga. Sua mulher se aproxima e pergunta:
"Reclamou da obra aqui em cima?"
"Olha, faz as malas e vamos pra casa da sua mãe, porque sujô."
"Você bebeu?"
"Não sei o que deu em mim. Agora, estou envolvido até o talo."
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