sábado, outubro 08, 2005
Lógica do blefe
Wanderley Guilherme dos Santos Cientista político acusa PFL de arquitetar impeachment de Lula, prevê fenômeno Garotinho e cobra provas contra o governo
Eliane Lobato ISTOÉ 07.09.05
Wanderley Guilherme dos Santos acaba de ser consagrado um dos cinco mais importantes cientistas políticos da América Latina pela Universidade Autônoma Nacional do México. Esta é apenas mais uma condecoração deste carioca graduado em filosofia, Ph.D. em ciência política pela Universidade de Stanford e laureado pela Guggenheim Foundation. Mas uma distinção merece destaque: ele antecipou o golpe que derrubou o presidente João Goulart, em 1964, no livro Quem vai dar o golpe no Brasil. Aconselha-se, portanto, a prestar atenção em seus prognósticos. Agora, prevê que o PFL possa capitanear um pedido de impedimento do presidente Lula no fim deste ano para que ele enfrente as próximas disputas eleitorais nessa vulnerável condição. Ele afirmou que quem desconsidera "o vetor Garotinho" não está compreendendo bem a dinâmica da competição presidencial e defendeu que os deputados e senadores que não provarem suas acusações deveriam ser submetidos à comissão de ética e perder o mandato. Wanderley Guilherme dos Santos não busca meias palavras para expor ou fundamentar seu pensamento. Confira nessa entrevista a ISTOÉ. ISTOÉ - Como será a disputa presidencial em 2006? O caixa 2 vai deixar de existir ou será maquiado? Wanderley Guilherme dos Santos - Na minha opinião, o PFL - que é um partido laranja do PSDB - vai pedir o impedimento do presidente Lula, com ou sem base, no final das comissões de inquérito, portanto no fim do ano. O que significa que metade de 2006 estará envolvido no processo de impedimento do presidente. A oposição tem força no Parlamento para iniciar isso. É assim que, na minha avaliação, a oposição faz seus cálculos e é nesse contexto que estão esperando fazer uma campanha presidencial: com o Lula, que é o candidato mais forte, sendo submetido a um processo de impedimento. Quem vai votar nele pensando que poderá estar impedido mais à frente? É uma manobra suja, mas viável. ISTOÉ - Se Lula ficar fora da disputa, quem se beneficia? Wanderley - O PSDB é um sério candidato a chegar ao segundo turno. Mas não se sabe quem vai ser o candidato. Pelo passado, sabe-se que o José Serra tem suficiente capacidade destrutiva de concorrência dentro do partido e no final ser ele próprio o candidato. Isso trará um pouco de dificuldade de coalizão com o PFL, por conta do episódio Roseana Sarney (referência ao dinheiro flagrado na empresa Lunus quando ela era forte candidata ao governo em 2002). Mas acho difícil que outro candidato, dentro do PSDB, tenha chance de batê-lo porque Serra não tem limites. Ele é um político extremamente duro, hábil. Pela imagem pública transmitida, ele é o José Dirceu da máquina do PSDB. Não tem brincadeira com ele, domina mesmo. Agora, é preciso não esquecer que existe um candidato a candidato chamado Anthony Garotinho, que disputa dentro do PMDB. ISTOÉ - Com que chances? Wanderley - O PMDB, como sempre, vai rachado, seja qual for o candidato. Se o Garotinho sair pelo partido significa não só mais tempo de tevê, como também mais diretórios, a infra-estrutura nacional do PMDB. Ele não é um candidato fácil. Se Lula e Garotinho forem para a disputa, o PSDB vai ter que brigar pelo segundo ou pelo terceiro lugar com o Garotinho. Não se deve brincar com o Garotinho. Ele derrotou o Serra em seis Estados em 2002, com um partido que não tinha estrutura nacional. Ele chegou em segundo lugar em seis Estados, na frente do Serra. Desconsiderar o vetor Garotinho é não compreender bem a dinâmica que a competição presidencial pode ganhar. De repente, como aconteceu em alguns momentos da campanha passada, o PSDB pode ser obrigado a virar seus canhões contra o Garotinho. ISTOÉ - E o caixa 2, como ficará? Wanderley - Acho difícil deixar de existir porque faz parte da competição. Existe em todos os países democráticos nos quais a competição é acirrada. O problema é conseguir restringir isso, não expor partes fundamentais do Estado nesse jogo e, sobretudo, fiscalizar e punir. Não fazer vista grossa. Mas há que se perder a inocência, a pretensão de que é possível fazer uma legislação capaz de proibir o caixa 2. Esse caminho não leva a nada. ISTOÉ - Afinal, o mensalão existe? Wanderley - As coisas precisam ser provadas. O destino dos saques seria para pagar acordos de campanha. Mas para pagamento de votos no Congresso é algo que deve ser provado. Não digo que não existiu, apenas que tem que ser provado. Porém, antes que isso aconteça, a oposição aumentou a aposta na crise. Disse que o mensalão era coisa menor, e tornou mais relevante o fato de o PT ter ocupado o Estado brasileiro, estabelecido a corrupção sistêmica para financiar a perpetuação do partido no poder. Isso é uma senhora acusação! É preciso ter dados muito fortes para afirmar algo dessa gravidade. E o que acontece é que, até agora, nem mesmo questões elementares foram comprovadas. Como, por exemplo, se Renilda (mulher de Marcos Valério) mentiu. Aumentaram tanto as acusações, disseram que tantas coisas já estavam comprovadas e essas autoridades - presidentes e secretários das CPIs - não desautorizaram essas afirmações peremptórias. E, agora, se chegar à conclusão de que não houve, por exemplo, pagamentos regulares tendo em vista a compra de votos, como é que fica? ISTOÉ - Como deveria ficar a situação dos acusadores? Wanderley - Se eles mentiram para a opinião pública, difamaram colegas, afirmaram inverdades, caluniaram partidos, deveriam responder ao Conselho de Ética e perder o mandato. ISTOÉ - Quem são esses deputados e senadores? Wanderley - Eu já mencionei e não gostaria de ficar repetindo como se fosse uma coisa pessoal. Mas todos sabem: são aqueles que se sentam na frente (na CPI), sãos os primeiros a falar, a esganiçar, são muito eloqüentes, enfáticos, e também são sempre os últimos a falar porque se reinscrevem para a despedida dos holofotes. "Pela imagem pública, José Serra é o José Dirceu do PSDB". "Desconsiderar Garotinho é não compreender a dinâmica da eleição" ISTOÉ - Esses parlamentares exercitam,para usar uma expressão criada pelo sr., a lógica do blefe? Wanderley - Não só eles, mas também líderes partidários. Incluo aí o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e José Agripino Maia (PFL-RN). Eles afirmaram categoricamente que já está comprovada a existência da ocupação do Estado brasileiro e de um esquema de corrupção sistêmica para financiamento do PT. Se eles têm comprovação disso, têm que revelar. Se não aparecerem provas, são responsáveis por isso. Eu fico surpreso de ver pessoas com passado e currículo relevante fazer uma acusação dessa sem provar. Porque, se for verdade, se já há fatos comprovando indubitavelmente, não precisa esperar o fim da CPMI, tem de iniciar imediatamente o impedimento do presidente da República e eu sou favorável que comece logo. Agora, se não há, não pode dizer uma coisa como essa. ISTOÉ - O que há de comprovado? Wanderley - Isso é exatamente o que todos nós estamos pedindo! A emoção fica sendo administrada diariamente. Não querendo ser cruel ou irônico com a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), o fato é que todo fim de semana inventam um "episódio Roseana", curiosamente com o mesmo beneficiário, todo mundo sabe quem. Os episódios se sucedem e nada se comprova. A população fica nessa expectativa. Se os resultados da CPMI dos Correios não for uma hecatombe parlamentar, ninguém vai ficar satisfeito, independentemente da verdade dos fatos. ISTOÉ - Aconteceram escândalos no governo FHC que não causaram a mesma reação. Por quê? Wanderley - Ponto um: porque praticamente toda a mídia era favorável a Fernando Henrique. Ponto dois: a oposição a FHC era muito frágil do ponto de vista parlamentar. Não tinha força para fazer valer no Parlamento o que PSDB e PFL estão fazendo agora, uma oposição forte. O que é bom para a democracia. Acabamos de saber que, ao investigarem o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) por conta do alargamento das investigações provocadas pela lógica do blefe, a grande falcatrua cometida lá ocorreu no final do período FHC. Eu duvido que o eixo do mal dos negócios das comunicações dê projeção a esse fato, apesar de comprovado pelo TCU. Duvido. Como não deu ao fato de que Marcos Valério contribuiu com caixa 2 na campanha de FHC em 1998. ISTOÉ - Depois de três meses de crise, fica a sensação de que o Brasil acaba de descobrir que propina é uma prática política comum. Wanderley - Está sendo perdida uma oportunidade fantástica de ir a fundo nos esquemas ilícitos de relação entre o privado e o público no Brasil, que existe e não é de hoje. O equívoco da oposição é insistir, por razões eleitorais, na tese de que isso é inédito e se restringe ao PT. Hoje, eu vejo a oposição como um obstáculo a uma séria investigação do problema. Não deviam ter partidarizado. A questão é o sistema privado seqüestrando pedaços do Estado para operações ilícitas. Isso existe e tem que ser enfrentado. Podiam ter aproveitado a oportunidade e colocado o governo em cheque, pegando o fato de ser comprometido com a ética. Mas qual foi a estratégia eleitoral da oposição? Dizer que isso nunca houve. Ora, isso é um conto da carochinha! ISTOÉ - O PT era considerado uma reserva moral. Isso aumenta o prazer em destruí-lo? Wanderley - Sem dúvida. Estão pagando o preço por ter revelado que também sucumbiram a algo que englobou todos os governos passados na história da República, de 1945 para cá. Por que acontece isso no Brasil? Por que o brasileiro é naturalmente corrupto? Não, é pela própria formação da cumulação capitalista no Brasil. O sistema privado brasileiro é uma estrutura que depende dramaticamente de favores do Estado. Legislação de subsídio, de isenção de tarifa de importação... coisas sem as quais ele tem dificuldade de sobreviver. É um sistema que, por conta disso e das competições entre os diversos setores, seqüestra pedaços do Estado para obter benefícios, para obter legislação a seu favor. Isso é antigo e é seriíssimo. ISTOÉ - O sr. é a favor do financiamento público nas campanhas? Wanderley - Não. Primeiro porque não resolve nada e usa o dinheiro público. Sou a favor do financiamento aberto, online, o tempo todo, com limite e fiscalização séria. ISTOÉ - Qual é o futuro do PT? Wanderley - Não sei. Há dois PTs: o da organização e o das ruas. O segundo está aí e não vai desaparecer. Não vai certamente para o PSDB nem para o PFL. Uma parte pequena vai para o PSOL e um pedaço um pouco maior vai para o Garotinho. O PSOL é um partido que tem uma proposta pré-democrática. A democracia representativa não comporta um partido que não faz alianças ou só faz com quem pensa igual. É uma concepção de democracia autoritária. Mas acho que o PT vai se reformular e os petistas vão continuar no PT. ISTOÉ - Estamos diante de uma suculenta pizza? Wanderley - Acho que estamos diante de uma ameaça de arapuca. Pelo silêncio das autoridades das CPIs e, caso não se descubra nada, já, já vão estar entre ser cúmplice de uma história mirabolante e ceder à extorsão do eixo do mal do negócio das comunicações ou ser desacreditados. Não acredito em pizza. Se houver comprovação, virá a público. Não falo de caixa 2, isso já perdeu a importância. Fundamental é comprovar o valerioduto sendo alimentado por empresas estatais, com dinheiro no Exterior. O problema é se não houver provas. O que vão fazer?
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