segunda-feira, dezembro 18, 2017
sexta-feira, dezembro 15, 2017
"A Lava Jato é cheia de jovens medíocres, intelectualmente incapazes. Jovens e vaidosos" afirma o sociólogo Jessé Souza. Nessa entrevista, ele aponta a verdade como uma "bomba atômica" está pronta pra explodir nas eleições de 2018. Essa é apenas a primeira parte da entrevista do conteúdo de estreia da Canteiro Audiovisual. Jessé, vencedor do Prêmio Jabuti 2017, esteve em Curitiba lançando seu último livro “A Elite do Atraso: Da Escravidão À Lava Jato” (LeYa Brasil, 2017). Agradecimento especial ao Sindicato Dos Engenheiros Senge e ao Eduardo Faria Silva pelo apoio. Via Canteiro Audiovisual
quarta-feira, dezembro 13, 2017
Guerra Híbrida: a nova guerra do século 21 no Brasil
Nos manuais estadunidenses as ações não-convencionais contra “forças hostis” a Washington. A centralidade do Pré-Sal no impeachment. Como os super-ricos cooptam a velha classe média.
Pepe Escobar*
O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida
Revoluções coloridas nunca são demais. Os Estados Unidos, ou o Excepcionalistão, estão sempre atrás de atualizações de suas estratégias para perpetuar a hegemonia do seu Império do Caos.
A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, a essa altura, de domínio público. Nem tanto, ainda, o conceito de Guerra Não-Convencional (UW, na sigla em inglês).
Esse conceito surgiu em 2010, derivado do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais. Eis a citação-chave: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos. […] Num futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês)”.
“Potências hostis” são entendidas aqui não apenas no sentido militar; qualquer país que ouse desafiar um fundamento da “ordem” mundial centrada em Washington pode ser rotulado como “hostil” – do Sudão à Argentina.
As ligações perigosas entre as revoluções coloridas e o conceito de Guerra Não-Convencional já desabrocharam, transformando-se em Guerra Híbrida; caso perverso de Flores do Mal. Revolução colorida nada mais é que o primeiro estágio daquilo que se tornará a Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada essencialmente como a Teoria do Caos armada – um conceito absoluto queridinho dos militares norte-americanos (“a política é a continuidade da guerra por meios linguísticos”). Meu livro Império do Caos, de 2014, trata essencialmente de rastrear uma miríade de suas ramificações.
Essa bem fundamentada tese em três partes esclarece o objetivo central por trás de uma Guerra Híbrida em larga escala: “destruir projetos conectados transnacionais multipolares por meio de conflitos provocados externamente (étnicos, religiosos, políticos etc.) dentro de um país alvo”.
Os países do BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul) – uma sigla/conceito amaldiçoada no eixo Casa Branca-Wall Street – só tinham de ser os primeiros alvos da Guerra Híbrida. Por uma miríade de razões, entre elas: o plano de realizar comércio e negócios em suas próprias moedas, evitando o dólar norte-americano; a criação do banco de desenvolvimento dos BRICS; a declarada intenção de aumentar a integração na Eurásia, simbolizada pela hoje convergente “Rota da Seda”, liderada pela China – Um Cinturão, Uma Estrada (OBOR, na sigla em inglês), na terminologia oficial – e pela União Econômica da Eurásia, liderada pela Rússia (EEU, na sigla em inglês).
Isso implica em que, mais cedo do que tarde, a Guerra Híbrida atingirá a Ásia Central; o Quirguistão é o candidato ideal a primeiro laboratório para as experiências tipo revolução colorida dos Estados Unidos, ou o Excepcionalistão.
No estágio atual, a Guerra Híbrida está muito ativa nas fronteiras ocidentais da Rússia (Ucrânia), mas ainda embrionária em Xinjiang, oeste longínquo da China, que Pequim microgerencia como um falcão. A Guerra Híbrida também já está sendo aplicada para evitar o estratagema da construção de um oleoduto crucial, a construção do Ramo da Turquia. E será também totalmente aplicada para interromper a Rota da Seda nos Balcãs – vital para a integração comercial da China com a Europa Oriental.
Uma vez que os BRICS são a única e verdadeira força em contraposição ao Excepcionalistão, foi necessário desenvolver uma estratégia para cada um de seus principais personagens. O jogo foi pesado contra a Rússia – de sanções à completa demonização, passando por um ataque frontal a sua moeda, uma guerra de preços do petróleo e até mesmo uma (patética) tentativa de iniciar uma revolução colorida nas ruas de Moscou. Para um membro mais fraco dos BRICS foi preciso utilizar uma estratégia mais sutil, o que nos leva à complexidade da Guerra Híbrida aplicada à atual, maciça desestabilização política e econômica do Brasil.
No manual da Guerra Híbrida, a percepção da influência de uma vasta “classe média não-engajada” é essencial para chegar ao sucesso, de forma que esses não-engajados tornem-se, mais cedo ou mais tarde, contrários a seus líderes políticos. O processo inclui tudo, de “apoio à insurgência” (como na Síria) a “ampliação do descontentamento por meio de propaganda e esforços políticos e psicológicos para desacreditar o governo” (como no Brasil). E conforme cresce a insurreição, cresce também a “intensificação da propaganda; e a preparação psicológica da população para a rebelião.” Esse, em resumo, tem sido o caso brasileiro.
Precisamos do nosso próprio Saddam.
Um dos maiores objetivos estratégicos do Excepcionalistão é em geral um mix de revolução colorida e Guerra Híbrida. Mas a sociedade brasileira e sua vibrante democracia eram muito sofisticadas para métodos tipo hard, tais como sanções ou a “responsabilidade de proteger” (R2P, na sigla em inglês).
Não por acaso, São Paulo tornou-se o epicentro da Guerra Híbrida contra o Brasil. Capital do estado mais rico do Brasil e também capital econômico-financeira da América Latina, São Paulo é o nódulo central de uma estrutura de poder interconectada nacional e internacionalmente.
O sistema financeiro global centrado em Wall Street – que domina virtualmente o Ocidente inteiro – não podia simplesmente aceitar a soberania nacional, em sua completa expressão, de um ator regional da importância do Brasil.
A “Primavera Brasileira” foi virtualmente invisível, no início, um fenômeno exclusivo das mídias sociais – tal qual a Síria, no começo de 2011.
Foi quando, em junho de 2013, Edward Snowden revelou as famosas práticas de espionagem da NSA. No Brasil, a questão era espionar a Petrobras. E então, num passe de mágica, um juiz regional de primeira instância, Sérgio Moro, com base numa única fonte – um doleiro, operador de câmbio no mercado negro – teve acesso a um grande volume de documentos sobre a Petrobras. Até o momento, a investigação de dois anos da Lava Jato não revelou como eles conseguiram saber tanto sobre o que chamaram de “célula criminosa” que agia dentro da Petrobras.
O importante é que o modus operandi da revolução colorida – a luta contra a corrupção e “em defesa da democracia” – já estava sendo colocada em prática. Aquele era o primeiro passo da Guerra Híbrida.
Como cunhado pelos Excepcionalistas, há “bons” e “maus” terroristas causando estragos em toda a “Siraq”; no Brasil há uma explosão das figuras do corrupto “bom” e do corrupto “ruim”.
O Wikileaks revelou também como os Excepcionalistas duvidaram da capacidade do Brasil de projetar um submarino nuclear – uma questão de segurança nacional. Como a construtora Odebrecht tornava-se global. Como a Petrobras desenvolveu, por conta própria, a tecnologia para explorar depósitos do pré sal – a maior descoberta de petróleo deste jovem século 21, da qual as Grandes Petrolíferas dos EUA foram excluidas por ninguém menos que Lula.
Então, como resultado das revelações de Snowden, a administração Roussef exigiu que todas as agências do governo usassem empresas estatais em seus serviços de tecnologia. Isso poderia significar que as companhias norte-americanas perderiam até US$ 35 bilhões de receita em dois anos, ao ser excluídos de negociar na 7ª maior economia do mundo – como descobriu o grupo de pesquisa Fundação para a Informação, Tecnologia & Inovação (Information Technology & Innovation Foundation).
O futuro acontece agora.
A marcha em direção à Guerra Híbrida no Brasil teve pouco a ver com as tendências políticas de direita ou esquerda. Foi basicamente sobre a mobilização de algumas famílias ultra ricas que governam de fato o país; da compra de grandes parcelas do Congresso; do controle dos meios de comunicação; do comportamento de donos de escravos do século 19 (a escravidão ainda permeia todas as relações sociais no Brasil); e de legitimar tudo isso por meio de uma robusta, embora espúria tradição intelectual.
Eles dariam o sinal para a mobilização da classe média. O sociólogo Jesse de Souza identificou uma freudiana “gratificação substitutiva”, fenômeno pelo qual a classe média brasileira – grande parte da qual clama agora pela mudança do regime – imita os poucos ultra ricos, embora seja impiedosamente explorada por eles, através de um monte de impostos e altíssimas taxas de juros.
Os 0,0001% ultra ricos e as classes médias precisavam de um Outro para demonizar – no estilo Excepcionalista. E nada poderia ser mais perfeito para o velho complexo da elite judicial-policial-midiática do que a figura de um Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.
“Movimentos” de ultra direita financiados pelos nefastos Irmãos Kock pipocaram repentinamente nas redes sociais e nos protestos de rua. O procurador geral de justiça do Brasil visitou o Império do Caos chefiando uma equipe da Lava Jato para distribuir informações sobre a Petrobras que poderiam sustentar acusações do Ministério da Justiça. A Lava Jato e o – imensamente corrupto – Congresso brasileiro que depôs a presidenta Dilma sem culpa, revelaram-se uma coisa só.
Àquela altura, os roteiristas estavam seguros de que a infra-estrutura social para a mudança de regime já havia produzido uma massa crítica anti-governo, permitindo assim o pleno florescimento da revolução colorida. O caminho para um golpe soft estava pavimentado – sem ter sequer de recorrer ao mortal terrorismo urbano (como na Ucrânia). O problema era que, se o golpe soft falhasse – como parece ser pelo menos possível, agora – seria muito difícil desencadear um golpe duro, estilo Pinochet, através da UW, contra a administração sitiada de Roussef; ou seja, executando finalmente a Guerra Híbrida Total.
No nível socioeconômico, a Lava Jato seria um “sucesso” total somente se fosse espelhada por um abrandamento das leis brasileiras que regulam a exploração do petróleo, abrindo-a para as Grandes Petrolíferas dos EUA. Paralelamente, todos os investimentos em programas sociais teriam de ser esmagados.
Ao contrário, o que está acontecendo agora é a mobilização progressiva da sociedade civil brasileira contra o cenário de golpe branco/golpe soft/mudança de regime. Atores cruciais da sociedade brasileira estão se posicionando firmemente contra a ilegalidade, da igreja católica aos evangélicos; professores universitários do primeiro escalão; governadores estaduais; massas de trabalhadores sindicalizados e trabalhadores da “economia informal”; artistas; intelectuais de destaque; juristas; a grande maioria dos advogados; e por último, mas não menos importante, o “Brasil profundo” que elegeu Rousseff legalmente, com 54,5 milhões de votos.
A disputa não chegará ao fim até que se ouça o canto de algum homem gordo do Supremo Tribunal Federal. Certo é que os acadêmicos brasileiros independentes já estão lançando as bases para pesquisar a Lava Jato não como uma operação anti-corrupção simples e maciça; mas como estudo de caso final da estratégia geopolítica dos Exceptionalistas, aplicada a um ambiente globalizado sofisticado, dominado por tecnologia da informação e redes sociais. Todo o mundo em desenvolvimento deveria ficar inteiramente alerta – e aprender as relevantes lições, já que o Brasil está fadado a ser visto como último caso da Soft Guerra Híbrida.
Autor: Pepe Escobar
Tradução: Vinícius Gomes Melo e Inês Castilho – Fonte: Pravda.ru
http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/guerra-hibrida-a-nova-guerra-do-seculo-21-no-brasil/14012017/
terça-feira, dezembro 12, 2017
QUEREM ESFACELAR O BRASIL. É O CONCEITO DA GUERRA HÍBRIDA. SE NÃO POSSO CONTROLAR DESTRUO.
24 de jan de 2017 - SÃO PAULO e RIO - A
ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, de 66 anos, foi internada
na tarde desta terça-feira no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ela sofreu
um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico e foi submetida
a uma cirurgia para fechar o aneurisma.
Lula será julgado no TRF-4 no dia 24 de
janeiro.
Você percebe que na escolha da data existe a intenção nítida da provocação. Marcar o julgamento para um dia de luto do presidente Lula é um ato de guerra. Mas aí é que tá a questão da Guerra Híbrida, eles não se importam mais com o resultado da guerra. Desde que eles destruam a capacidade do país para que possam roubar e matar o futuro, o resultado pouco importa. Foi o que aconteceu na Iugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, Ucrânia, Síria, Iêmen... O Brasil hoje é um grande laboratório, o que acontecer aqui vai determinar muita coisa para o futuro da humanidade. Lula representa a saída mais viável e segura para o rencontro com a Democracia Popular. Que o Brasil consiga escolher esse caminho.
segunda-feira, dezembro 11, 2017
sábado, novembro 25, 2017
Fim da neutralidade de rede nos EUA ameaça a colônia O sistema de poder antinacional e antipopular instalado no Brasil desde o golpe não se cansa de combater o Marco Civil da Internet e faz vista grossa à violação constante da neutralidade de rede que ele obriga. A decisão americana pode ser a vitamina que ele precisa, para destruir mais esse direito do povo brasileiro.
A má notícia sobre a mídia, nesta semana, vem do exterior.
Não se trata da enézima matéria de jornal estrangeiro detonando a imagem do Brasil, ao meramente reportar com honestidade o que acontece por aqui, como fez o diário francês Libération.
Trata-se de notícia que afeta o futuro da própria mídia em todo o planeta, uma vez que ela procede do centro do Império.
Os Estados Unidos estão a menos de um mês de acabarem com a chamada “neutralidade de rede” na internet – a proibição de que os provedores de serviço bloqueiem ou desacelerem a velocidade de conexão, conforme o preço pago pelo usuário, ou pelo site que ele está visitando.
Estão em risco o acesso igualitário à Internet e também a liberdade de expressão, porque os provedores poderão arbitrar que conteúdos terão maior ou menor acesso, simplesmente controlando a sua velocidade de transmissão.
O presidente do Comitê Federal de Comunicações, a ANATEL de lá, anunciou que o fim da neutralidade de rede será votado em 14 de dezembro.
Como o órgão tem maioria republicana e a proposta é do Governo Trump, a aprovação é dada como certa, embora já desperte reações e a política progressista já opere contra ela.
Derrubada lá, a neutralidade de rede fica imediatamente ameaçada aqui.
“O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, diz a velha máxima colonialista cunhada em 1964 pelo embaixador Juracy Magalhães, num arroubo de subserviência.
Essa mentalidade governa o país desde abril de 2016 e é certo que ela cuidará de ajustar este quintal dos Estados Unidos ao que decidirem os donos da casa.
Além de pagar mais para assistir vídeos no You Tube ou Netflix, por exemplo, os usuários de internet vão penar para acessar sites que os provedores tornarem mais lentos, a seu critério.
Não é difícil intuir como isso ameaça toda a mídia independente, refugiada no mundo digital, com o derretimento econômico dos suportes tradicionais.
O sistema de poder antinacional e antipopular instalado no Brasil desde o golpe não se cansa de combater o Marco Civil da Internet e faz vista grossa à violação constante da neutralidade de rede que ele obriga.
A decisão americana pode ser a vitamina que ele precisa, para destruir mais esse direito do povo brasileiro.
terça-feira, novembro 21, 2017
terça-feira, novembro 14, 2017
LULA E O PT SÃO UM LUXO PARA O BRASIL
Da Alemanha, numa entrevista à agência de notícias Deutsche Welle – com a imprensa brasileira não tem entrevista, só tem fofoca apelativa – a ex-presidente”É…
TIJOLACO.COM.BR
A Eletrobras, ao contrário, é um gigante. É dona de Furnas, é dona de Itaipu, é sócia de Belo Monte, é dona das usinas nucleares. É dona de concessões que se estendem por décadas. É, simplesmente, a maior empresa de energia elétrica da América do Sul. com uma rede de transmissão de alta tensão capaz que soma “apenas” uma vez e meia a volta ao mundo. É dona de usinas que geram um terço de toda a energia elétrica do Brasil...
Eletrobras: o apagão de informações para você não ver quem leva tudo
POR FERNANDO BRITO · 13/11/2017
A privatização da Eletrobras – que o Luís Nassif definiu, com razão, como “a maior tacada da história” privatista, começa pela guerra da informação.
A companhia contratou uma agência – a FSB, aquela que se viu enrolada na delação do marqueteiro Renato Pereira como repassadora de dinheiro a Eduardo Paes – para “vender a venda” de uma empresa que os brasileiros não fazem ideia do tamanho que tem.
Porque a imprensa, bem cevada pelos privatistas, apresenta-a como um elefante branco, falida, “caindo aos pedaços”.Um caco velho.
A Eletrobras, ao contrário, é um gigante. É dona de Furnas, é dona de Itaipu, é sócia de Belo Monte, é dona das usinas nucleares. É dona de concessões que se estendem por décadas.
É, simplesmente, a maior empresa de energia elétrica da América do Sul. com uma rede de transmissão de alta tensão capaz que soma “apenas” uma vez e meia a volta ao mundo. É dona de usinas que geram um terço de toda a energia elétrica do Brasil, e de uma rede de distribuição que alcança um terço do território nacional (justamente o menos denso populacionalmente e, por isso, menos rentável, embora atenda quase sete milhões de famílias e empresas).
É tão importante que, ao lado da Petrobras, esteve na Carta Testamento de Vargas, ao matar-se – “A Eletrobras foi obstaculada até o desespero” – e explora um recurso público: a água e, mais recentemente, também o vento, com as usinas eólicas.
Vende um produto que ninguém pode parar de comprar: energia.
Pare e pense o caro leitor e a querida leitora qual foi a usina elétrica construída exclusivamente pelas empresas privadas – e multinacionais – que compraram parte do sistema elétrico com Fernando Henrique Cardoso. Quase nada, não é, pois onde entraram foi com a sociedade da Eletrobras (ou da Chesf) e financiamento barato do BNDES, dinheiro estatal, portanto.
A privatização da Eletrobras é um retrocesso de 50 anos, ao tempo em que, criança, aprendíamos a marchinha de gozação feita por Vitor Simon e Fernando Martins em 1954: “Rio de Janeiro/Cidade que nos seduz/De dia falta água/De noite falta luz.
Nestes tempos, também, o “apagou a luz” era a senha para cada guri pegar quantas bolinhas de gude pudesse e “se mandar”.
É por isso que precisam manter as pessoas no escuro, para que não vejam o crime de lesa-pátria, o desvio de bilhões de reais que estão por perpetrar.
Não se deve saber que há gente graúda nesta história, como o banqueiro José João Abdalla Filho, o “Juca Abdalla”, dono do Banco Clássico. Nem Jorge Paulo Lehman, o dono da cerveja nacional com suas Ambev e Inbev, que detém o controle – mesmo em minoria, como é na Eletrobras, de todos os negócios onde põe as mãos.
Isso não deve vir ao caso.
É preciso manter a atenção nos pedalinhos .
http://www.tijolaco.com.br/blog/eletrobras-o-apagao-de-informacoes-para-voce-nao-ver-quem-leva-tudo/
terça-feira, novembro 07, 2017
Aliança do PT é com o povo brasileiro
Em nota assinada pela presidenta Gleisi Hoffmann, PT critica deturpação da mídia de fala do ex-presidente Lula no encerramento da caravana Lula Pelo Brasil
06/11/2017 18h33
Ricardo Stuckert
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A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), assina nota oficial do PT, nesta segunda-feira (6), reafirmando que a aliança do PT para as eleições de 2018 é com o povo brasileiro.
A nota é em resposta a deturpação da imprensa de uma fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvadurante o encerramento da caravana Lula Pelo Brasil em Minas Gerais.
“O PT tem sua aliança política com o povo brasileiro, suas lutas e conquistas. A aliança eleitoral para eleger Lula em 2018 está sendo construída com setores progressistas da sociedade e com a centro esquerda, baseada na reconstrução do Estado brasileiro e na revogação dos retrocessos implementados por esse governo golpista”, afirma o documento.
Leia a nota na íntegra:
Aliança do PT é com o povo brasileiro
Setores da imprensa têm deturpado uma fala do presidente Lula no ato de encerramento da caravana Lula Pelo Brasil em Belo Horizonte, em 30 de outubro. Longe de “perdoar” os partidos golpistas, Lula dirigiu-se à parcela da sociedade que apoiou o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e hoje percebe que foi enganada.
O PT tem sua aliança política com o povo brasileiro, suas lutas e conquistas. A aliança eleitoral para eleger Lula em 2018 está sendo construída com setores progressistas da sociedade e com a centro esquerda, baseada na reconstrução do Estado brasileiro e na revogação dos retrocessos implementados por esse governo golpista.
Aqueles que defendem a o desmonte da Legislação Trabalhista, a Emenda Constitucional 95, a entrega daPetrobras e do Pré-Sal, a privatização da Eletrobrás, o fim das aposentadorias e a volta do trabalho escravo não cabem nesse projeto nacional.
A direção do PT mantém sua agenda de diálogo com os partidos de centro esquerda, em torno da candidatura Lula, mas são totalmente falsas quaisquer notícias sobre negociações com partidos que apoiaram o golpe. A estratégia do PT para as eleições gerais de 2018 será definida democraticamente nas instâncias partidárias, como é da nossa tradição. Este processo contemplará naturalmente as diversas realidades políticas regionais, mas as alianças se pautarão num projeto para o Brasil.
Gleisi Hoffmann
Presidenta nacional do PT
Presidenta nacional do PT
segunda-feira, novembro 06, 2017
DEPOIS DO GOLPE, A GUERRA?! Não. VAMOS PARA A DISPUTA ELEITORAL, SEM MAIS FRAUDES
Recebi alguns comentários a meus artigos que identificavam o momento político que vivemos ao da Alemanha dos anos 1920, quando o nazismo foi sendo construído e se empoderando.
A história é única; num momento civilizatório e em determinado lugar. Mas o apetite capitalista pelo lucro, pela expansão imperialista, pela apropriação de bens é permanente. O que podemos tirar, como “lição da história”, como reflexão sobre um acontecimento é a resultante do conjunto de forças, como vetores em diferentes direções, que acarretou tal desfecho.
Transcrevo, pela expressividade, rigor histórico e construção literária, na tradução da professora Isabel Loureiro, um trecho de “A crise da social-democracia”, de Rosa Luxemburg (in Gesammelte Werke, Dietz Verlag, Berlin, 1987):
“A marcha de seis semanas sobre Paris transformou-se num drama mundial; o imenso massacre tornou-se um negócio quotidiano, de uma cansativa monotonia, sem qualquer solução à vista. A política burguesa está paralisada, presa na sua própria armadilha e já não pode exorcizar os espíritos que invocou.
A carne para canhão, embarcada em agosto e setembro repleta de patriotismo, apodrece agora na Bélgica, nos Vosges, na Masúria, em cemitérios onde o lucro cresce vigorosamente. Trata-se de guardar rapidamente a colheita. Sobre esse oceano, milhares de mãos se estendem, ávidas para arrancar a sua parte.
Os negócios prosperam sobre ruínas. Cidades transformam-se em montes de escombros, aldeias em cemitérios, regiões inteiras em desertos, populações em tropas de mendigos, igrejas em estábulos” (escrito na prisão e publicado na Suíça em 1916).
Ouso acrescentar: toda esta desgraça da I Grande Guerra gerou enormes lucros, aumentou fortunas e fortaleceu o poder dos ricos. Os resultados da Krupp, Thyssen, Stinnes estão aí para comprovar.
Avaliemos a situação e as forças da época.
A Alemanha Imperial, da unificação sob Bismarck, era o “Império Evangélico de Nação Alemã”. Guilherme I era não apenas um Imperador mas um “summus episcopus”. Como expõe Isabel Loureiro (A Revolução Alemã, Editora UNESP, SP. 1ª edição, 5ª reimpressão, 2017): “quando o edifício institucional da monarquia desmoronou no final de 1918, os protestantes (mas também a alta hierarquia da Igreja Católica) enveredaram por um caminho nacionalista e reacionário, em clara hostilidade à República”, de Weimar (1919/1933).
Temos, então, um quadro do poder, conservador mas nacionalista, na cúpula governamental e na elite dirigente alemã. Muito longe do que vemos no Brasil de hoje. A única variável que poderíamos identificar é a participação religiosa neopentecostal, dos partidos das “Igrejas da Caixinha”, na irônica referência de Gregório Duvivier (Greg News, 28/07/2017).
Formamos um modelo do atraso generalizado e, na forma comum destes mais de 500 anos, colonizado. Se acreditássemos viver numa efetiva democracia, poderíamos dizer que a submissão colonial é o mais popular desejo dos brasileiros. Mas sabemos que as eleições são, na imensa maioria, fruto de manipulação midiática, do dinheiro nacional e estrangeiro, como dos IPES e IBADES de 1962, e similarmente repetidos em 2014.
Poderíamos então, no modelo do império alemão, entender que estamos no argentário e fundamentalista sistema colonizado de hipocrisia republicana.
Agora que, com o auxílio da História, pudemos entender nosso presente, busquemos os objetivos.
Na Alemanha, conforme o grande estudioso do processo civilizatório, Norbert Elias (Os Alemães, Zahar, RJ, 1997), encontrávamos uma sociedade “afinada com um forte governo de cima para baixo, com pouquíssima participação de todos os governados”. Além de inteiramente oposta a mudança, não admitia a mínima participação popular e feminina, como uma verdadeira sociedade estamental. Veja, assim, os juízes e representantes da sociedade, exercendo suas atividades sem remuneração, limitando a aplicação da justiça e a elaboração normativa ao arbítrio e interesse de classe, dos ricos, dos rentistas daquela Alemanha Imperial.
Um ridículo nos cobre, um país mestiço e pobre, com parcela reduzidíssima de ricos, mas igualmente mestiços – aí estão os Cardoso, pela própria boca, e, igualmente, os Marinho, os Neves e tantos outros destes dirigentes “com um pé na cozinha” – buscando macaquear europeus ou seus descendentes estadunidenses, conseguindo apenas a permanente desmoralização nacional, agora potencializada pela “quadrilha dirigente”.
Fico pensando nestes adeptos dos bolsonaros, crivellas, dorias e seus similares; terão entendimento de sua ignorância, de sua autoflagelação, da fonte dos males que tanto reclamam? Não vêem que se prestam ao papel de massa de manobra dos interesses estrangeiros colonizadores e de serem seus capitães do mato locais?
Mais uma vez, vendo a escola pública – onde fiz meu primário nos anos 1949/1953, na Capital da República, e aprendi que “o Brasil era um país essencialmente agrícola”, que “no Império havia ordem e progresso”, o “grande inimigo do país, de homens católicos e ordeiros, era o comunismo ateu” e outras debilidades – hoje considerada modelo, pergunto, sem precisar discutir a didática colonizadora, a quantos servia aquela doutrinação? 10%, 15% da população?
E o que acontecia com a quase totalidade dos brasileiros? Formaria a massa contribuinte das caixinhas neopentecostais, dos patos bate panelas, dos que não conseguem se olhar no espelho sem ódio? E, assim, preparados para assassinarem seus irmãos?
Transcrevo de Isabel Loureiro, na obra citada:
“Não por acaso, os estudiosos da época (Alemanha Imperial) são unânimes ao apontar no alemão médio traços da submissão e servilismo em relação aos de cima, compensados pela agressividade com os de baixo. É com essa matéria-prima psíquica que será moldada mais tarde a massa amorfa dos “pequenos nazistas”.
Para o Brasil, no recente livro de nosso maior sociólogo, Jessé Souza (A Elite do Atraso - da escravidão à lava jato, Leya, RJ, 2017), ao tratar do golpe de 2016 e da ação de nossas classes sociais, lemos:
“a única classe consciente de seus interesses entre nós foi e é ainda a ínfima elite do dinheiro”. “O liberalismo conservador, baseado no falso moralismo da higiene moral da nação, vai ser a pedra de toque da arregimentação da classe média que se cria nessa quadra histórica pela elite do dinheiro”. “Toda a importância do lulismo recente reside aí. Foi com ele iniciado um esforço que, caso fosse levado adiante, redimiria essa classe condenada pelo ódio covarde devotado ao escravo no espaço de poucas gerações”.
Enfim, é a permanente crucificação das classes populares, cujo ódio lhe é votado especialmente pelas frações da classe média, que assumem ser o “capataz da elite do dinheiro de modo a subjugar a sociedade como um todo”.
Pelas redes sociais, por e-mails recebidos, vejo, com preocupação, que se desloca, de um possível acordo contra a efetiva luta de classes, a questão que se tem como premente. Sem pretensão da verdade, reflito:
a – a guerra é instrumento da elite, não conheci caso de guerra popular. Quando muito um engodo obtendo apoio mais amplo. Tanto que já lemos, neste artigo, o exemplo de quem, na Alemanha, ganhou com a I Grande Guerra. Populares são as Revoluções socialmente transformadoras; e muitas vezes, como da Bolívia neste século XXI, sem guerra. Também, se buscarmos os primeiros passos bolcheviques (um bom tema para as festividades dos 100 anos da Revolução) iremos encontrar as greves russas, em 1917/1918, pela paz, obtida, mesmo com perdas, pelo Tratado de Brest-Litovsk. Para os operários, para as massas populares, as guerras sempre representam mais miséria, mais privação, mais dor.
Posso estar vendo outras maldades, mas a violência urbana, que está diariamente, insistentemente, a todo momento ocupando as redes de televisão, os noticiários radiofônicos, as “análises de especialistas”, pode intencionalmente preparar as pessoas para uma violência ainda maior, travestida de salvadora. O Exército já é usado, todo tempo, como polícia; para a guerra civil nem se dará um passo.
b – as manifestações populares sempre possibilitam algum nível de consciência. Mesmo quando reprimidas e derrotadas. Exigir eleições em 2018, exatamente como previstas na legislação em vigor (que se tenta reinterpretar e desfigurar neste judiciário desacreditado) é um imperativo para a conscientização, muito mais do que para a improvável mudança de poder. Manter o povo nas ruas e votando, desde síndico de condomínio a Presidente da República, é dispor de um instrumento de reflexão, de debate, de entendimento, de consciência política, social e existencial.
Por conseguinte, mesmo reconhecendo os riscos mostrados pela Alemanha dos anos 1920, mas consciente que a história nunca é a mesma, coloco como o objetivos dos que lutam por um Brasil Soberano e Democrático, pela construção do país justo e cidadão para todos, a urgência da defesa da paz e do calendário eleitoral. Vamos para a disputa nas urnas, sem mais fraudes.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
terça-feira, outubro 31, 2017
quarta-feira, outubro 25, 2017
As Ideias Fora de Lugar
Roberto Schwartz, "As ideias fora de lugar" in Ao vencedor as Batatas. Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, 2000 (1ª ed.), 2012 (6ª ed.), São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, Coleção Espírito Crítico, 1º capítulo._______________________________________________
Entreouvido na Vila Vudu:
Em tempos de golpe tão profundo, que o trabalho escravo tão espantosamente está de volta ao plenário do Congresso Nacional golpista no Brasil, no séc. 21,para elogios e consagração pressuposta 'democrática'–, é hora de reler esse ensaio seminal.
Roberto Schwarz estuda aí o romance de Machado de Assis: esse é o primeiro capítulo de um dos estudos críticos mais importantes da história da literatura contemporânea, já traduzido em várias línguas.
É leitura iluminadora mas difícil, sobretudo para quem já não tenha prática na leitura de escritos densos, transbordantes de significados densos e realmente aderidos à realidade, em tudo diferentes do que nos impinge a mídia-empresa.
Mas é preciso insistir, até que o esforço produza resultados.
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Toda ciência tem princípios, de que deriva o seu sistema. Um dos princípios da Economia Política é o trabalho livre. Ora, no Brasil domina o fato impolítico e abominável da escravidão. Este argumento resumo de um panfleto liberal, contemporâneo de Machado de Assis[1] põe fora o Brasil do sistema da ciência. Estávamos aquém da realidade a que esta se refere; éramos antes um fato moral, impolítico e abominável . Grande degradação, considerando-se que a ciência eram as Luzes, o Progresso, a Humanidade etc. Para as artes, Nabuco expressa um sentimento comparável quando protesta contra o assunto escravo no teatro de Alencar: "Se isso ofende o estrangeiro, como não humilha o brasileiro!"[2]
Outros autores naturalmente fizeram o raciocínio inverso. Uma vez que não se referem à nossa realidade, ciência econômica e demais ideologias liberais é que são, elas sim, abomináveis, impolíticas e estrangeiras, além de vulneráveis. "Antes bons negros da costa da África para felicidade sua e nossa, a despeito de toda a mórbida filantropia britânica, que, esquecida de sua própria casa, deixa morrer de fome o pobre irmão branco, escravo sem senhor que dele se compadeça, e hipócrita ou estólida chora, exposta ao ridículo da verdadeira filantropia, o fado de nosso escravo feliz".[3]
Cada um a seu modo, estes autores refletem a disparidade entre a sociedade brasileira, escravista, e as ideias do liberalismo europeu. Envergonhando uns, irritando outros, que insistem na sua hipocrisia, estas ideias em que gregos e troianos não reconhecem o Brasil são referências para todos. Sumariamente está montada uma comédia ideológica, diferente da europeia. É claro que a liberdade do trabalho, a igualdade perante a lei e, de modo geral, o universalismo eram ideologia na Europa também; mas lá correspondiam às aparências, encobrindo o essencial a exploração do trabalho. Entre nós, as mesmas ideias seriam falsas num sentido diverso, por assim dizer, original.
A Declaração dos Direitos do Homem, por exemplo, transcrita em parte na Constituição Brasileira de 1824, não só não escondia nada, como tornava mais abjeto o instituto da escravidão.[4]
A mesma coisa para a professada universalidade dos princípios, que transformava em escândalo a prática geral do favor. Que valiam, nestas circunstâncias, as grandes abstrações burguesas que usávamos tanto? Não descreviam a existência mas nem só disso vivem as ideias. Refletindo em direção parecida, Sérgio Buarque observa: "Trazendo de países distantes nossas formas de vida, nossas instituições e nossa visão do mundo e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos uns desterrados em nossa terra".[5]
"Sendo uma propriedade, um escravo pode ser vendido, mas não despedido. O trabalhador livre, nesse ponto, dá mais liberdade a seu patrão, além de imobilizar menos capital. Este aspecto um entre muitos indica o limite que a escravatura opunha à racionalização produtiva.
Essa impropriedade de nosso pensamento, que não é acaso, como se verá, foi de fato uma presença assídua, atravessando e desequilibrando, até no detalhe, a vida ideológica do Segundo Reinado. Frequentemente inflada, ou rasteira, ridícula, ou crua, e só raramente justa no tom, a prosa literária do tempo é uma das muitas testemunhas disso.
Embora sejam lugar-comum em nossa historiografia, as razões desse quadro foram pouco estudadas em seus efeitos. Como é sabido, éramos um país agrário e independente, dividido em latifúndios, cuja produção dependia do trabalho escravo por um lado, e por outro do mercado externo. Mais ou menos diretamente, vêm daí as singularidades que expusemos.
Era inevitável, por exemplo, a presença entre nós do raciocínio econômico burguês a prioridade do lucro, com seus corolários sociais uma vez que dominava no comércio internacional, para onde a nossa economia era voltada. A prática permanente das transações escolava, neste sentido, quando menos uma pequena multidão. Além do que, havíamos feito a Independência há pouco, em nome de ideias francesas, inglesas e americanas, variadamente liberais, que assim faziam parte de nossa identidade nacional.
Por outro lado, com igual fatalidade, este conjunto ideológico iria chocar-se contra a escravidão e seus defensores, e o que é mais, viver com eles.[6] No plano, das convicções, a incompatibilidade é clara, e já vimos exemplos.
Mas também no plano prático ela se fazia sentir. Sendo uma propriedade, um escravo pode ser vendido, mas não despedido. O trabalhador livre, nesse ponto, dá mais liberdade a seu patrão, além de imobilizar menos capital. Este aspecto um entre muitos indica o limite que a escravatura opunha à racionalização produtiva.
Comentando o que vira numa fazenda, um viajante escreve: não há especialização do trabalho, porque se procura economizar a mão-de-obra. Ao citar a passagem, Fernando Henrique Cardoso observa que economia não se destina aqui, pelo contexto, a fazer o trabalho num mínimo de tempo, mas num máximo. É preciso espichá-lo, a fim de encher e disciplinar o dia do escravo. O oposto exato do que era moderno fazer. Fundada na violência e na disciplina militar, a produção escravista dependia da autoridade, mais que da eficácia."[7]
O estudo racional do processo produtivo, assim como a sua modernização continuada, com todo o prestígio que lhes advinha da revolução que ocasionavam na Europa, eram sem propósito no Brasil.
Para complicar ainda o quadro, considere-se que o latifúndio escravista havia sido na origem um empreendimento do capital comercial, e que portanto o lucro fora desde sempre o seu pivô. Ora, o lucro como prioridade subjetiva é comum às formas antiquadas do capital e às mais modernas.
De sorte que os incultos e abomináveis escravistas até certa data quando esta forma de produção veio a ser menos rentável que o trabalho assalariado foram no essencial, capitalistas mais consequentes do que nossos defensores de Adam Smith, que no capitalismo achavam antes que tudo a liberdade. Está-se vendo que para a vida intelectual o nó estava armado.
Em matéria de racionalidade, os papéis se embaralhavam e trocavam normalmente: a ciência era fantasia e moral, o obscurantismo era realismo e responsabilidade, a técnica não era prática, o altruísmo implantava a mais-valia etc. E, de maneira geral, na ausência do interesse organizado da escravaria, o confronto entre humanidade e inumanidade, por justo que fosse, acabava encontrando uma tradução mais rasteira no conflito entre dois modos de empregar os capitais do qual era a imagem que convinha a uma das partes.[8]
Sendo embora a relação produtiva fundamental, a escravidão não era o nexo efetivo da vida ideológica. A chave desta era diversa. Para descrevê-la é preciso retomar o país como todo.
Esquematizando, pode-se dizer que a colonização produziu, com base no monopólio da terra, três classes de população: o latifundiário, o escravo e o homem livre , na verdade dependente.
Entre os primeiros dois a relação é clara, é a multidão dos terceiros que nos interessa. Nem proprietários nem proletários, seu acesso à vida e a seus bens depende materialmente do favor, indireto ou direto, de um grande.[9]
O agregado é a sua caricatura. O favor é, portanto, o mecanismo através do qual se reproduz uma das grandes classes da sociedade, envolvendo também outra, a dos que têm. Note-se ainda que entre estas duas classes é que irá acontecer a vida ideológica, regida, em consequência, por este mesmo mecanismo.[10]
Assim, com mil formas e nomes, o favor atravessou e afetou no conjunto a existência nacional, ressalvada sempre a relação produtiva de base, esta assegurada pela força. Esteve presente por toda parte, combinando-se às mais variadas atividades, mais e menos afins dele, como administração, política, indústria, comércio, vida urbana, Corte etc. Mesmo profissões liberais, como a medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção europeia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele.
E assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o funcionário para o seu posto. O favor é a nossa mediação quase universal e sendo mais simpático do que o nexo escravista, a outra relação que a colônia nos legara, é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção.
O escravismo desmente as ideias liberais; mais insidiosamente o favor, tão incompatível com elas quanto o primeiro, as absorve e desloca, originando um padrão particular. O elemento de arbítrio, o jogo fluido de estima e autoestima a que o favor submete o interesse material, não podem ser integralmente racionalizados. Na Europa, ao atacá-los, o universalismo visara o privilégio feudal. No processo de sua afirmação histórica, a civilização burguesa postulara a autonomia da pessoa, a universalidade da lei, a cultura desinteressada, a remuneração objetiva, a ética do trabalho etc. contra as prerrogativas do Ancien Régime. O favor, ponto por ponto, pratica a dependência da pessoa, a exceção à regra, a cultura interessada, remuneração e serviços pessoais. Entretanto, não estávamos para a Europa como o feudalismo para o capitalismo, pelo contrário éramos seus tributários em toda linha, além de não termos sido propriamente feudais a colonização é um feito do capital comercial. No fastígio em que estava ela, Europa, e na posição relativa em que estávamos nós, ninguém no Brasil teria a ideia e principalmente a força de ser, digamos, um Kant do favor, para bater-se contra o outro.[11] De modo que o confronto entre esses princípios tão antagônicos resultava desigual: no campo dos argumentos prevaleciam com facilidade, ou melhor, adotávamos sofregamente os que a burguesia europeia tinha elaborado contra arbítrio e escravidão; enquanto na prática, geralmente dos próprios debatedores, sustentado pelo latifúndio, o favor reafirmava sem descanso os sentimentos e as noções que implica.
O mesmo se passa no plano das instituições, por exemplo com burocracia e justiça, que embora regidas pelo clientelismo, proclamavam as formas e teorias do estado burguês moderno. Além dos naturais debates, este antagonismo produziu, portanto, uma coexistência estabilizada que interessa estudar. Aí a novidade: adotadas as ideias e razões europeias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente objetiva , para o momento de arbítrio que é da natureza do favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas. Esta recomposição é capital.
Seus efeitos são muitos, e levam longe em nossa literatura. De ideologia que havia sido isto é, engano involuntário e bem fundado nas aparências, o liberalismo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver.
Ao legitimar o arbítrio por meio de alguma razão racional , o favorecido conscientemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez não vê, nessa era de hegemonia das razões, motivo para desmenti-lo. Nestas condições, quem acreditava na justificação? A que aparência correspondia? Mas justamente, não era este o problema, pois todos reconheciam e isto sim era importante a intenção louvável, seja do agradecimento, seja do favor.
A compensação simbólica podia ser um pouco desafinada, mas não era mal-agradecida. Ou por outra, seria desafinada em relação ao Liberalismo, que era secundário, e justa em relação ao favor, que era principal. E nada melhor, para dar lustre às pessoas e à sociedade que formam, do que as ideias mais ilustres do tempo, no caso as europeias. Neste contexto, portanto, as ideologias não descrevem sequer falsamente a realidade, e não gravitam segundo uma lei que lhes seja própria; por isso as chamamos de segundo grau. Sua regra é outra, diversa da que denominam; é da ordem do relevo social, em detrimento de sua intenção cognitiva e de sistema. Deriva sossegadamente do óbvio, sabido de todos da inevitável superioridade da Europa e liga-se ao momento expressivo, de autoestima e fantasia, que existe no favor. Neste sentido dizíamos que o teste da realidade e da coerência não parecia, aqui, decisivo, sem prejuízo de estar sempre presente como exigência reconhecida, evocada ou suspensa conforme a circunstância.
Assim, com método, atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho, universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio etc. Combinando-se à prática de que, em princípio, seria a crítica, o Liberalismo fazia com que o pensamento perdesse o pé. Retenha-se no entanto, para analisarmos depois, a complexidade desse passo: ao tornarem-se despropósito, estas ideias deixam também de enganar.
É claro que esta combinação foi uma entre outras. Para o nosso clima ideológico, entretanto, foi decisiva, além de ser aquela em que os problemas se configuram da maneira mais completa e diferente. Por agora bastem alguns aspectos. Vimos que nela as ideias da burguesia cuja grandeza sóbria remonta ao espírito público e racionalista da Ilustração tomam função de ... ornato e marca de fidalguia: atestam e festejam a participação numa esfera augusta, no caso a da Europa que se ... industrializa. O quiproquó das ideias não podia ser maior.
A novidade no caso não está no caráter ornamental de saber e cultura, que é da tradição colonial e ibérica; está na dissonância propriamente incrível que ocasionam o saber e a cultura de tipo moderno quando postos neste contexto. São inúteis como um berloque? São brilhantes como uma comenda? Serão a nossa panaceia? Envergonham-nos diante do mundo? O mais certo é que nas idas e vindas de argumento e interesse todos estes aspectos tivessem ocasião de se manifestar, de maneira que na consciência dos mais atentos deviam estar ligados e misturados.
Inextricavelmente, a vida ideológica degradava e condecorava os seus participantes, entre os quais muitas vezes haveria clareza disso. Tratava-se, portanto, de uma combinação instável, que facilmente degenerava em hostilidade e crítica as mais acerbas. Para manter-se, precisa de cumplicidade permanente, cumplicidade que a prática do favor tende a garantir. No momento da prestação e da contraprestação particularmente no instante-chave do reconhecimento recíproco a nenhuma das partes interessa denunciar a outra, tendo embora a todo instante os elementos necessários para fazê-lo.
Esta cumplicidade sempre renovada tem continuidades sociais mais profundas, que lhe dão peso de classe: no contexto brasileiro, o favor assegurava às duas partes, em especial à mais fraca, de que nenhuma é escrava. Mesmo o mais miserável dos favorecidos via reconhecida nele, no favor, a sua livre pessoa, o que transformava prestação e contraprestação, por modestas que fossem, numa cerimônia de superioridade social, valiosa em si mesma. Lastreado pelo infinito de dureza e degradação que esconjurava ou seja a escravidão, de que as duas partes beneficiam e timbram em se diferençar este reconhecimento é de uma conivência sem fundo, multiplicada, ainda, pela adoção do vocabulário burguês da igualdade, do mérito, do trabalho, da razão. Machado de Assis será mestre nestes meandros.
Contudo veja-se também outro lado. Imersos que estamos, ainda hoje, no universo do Capital, que não chegou a tomar forma clássica no Brasil, tendemos a ver esta combinação como inteiramente desvantajosa para nós, composta só de defeitos. Vantagens não há de ter tido; mas para apreciar devidamente a sua complexidade considere-se que as ideias da burguesia, a princípio voltadas contra o privilégio, a partir de 1848 se haviam tornado apologéticas: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de classe.[12]
Portanto, para bem lhe reter o timbre ideológico é preciso considerar que o nosso discurso impróprio era oco também quando usado propriamente. Note-se, de passagem, que este padrão iria repetir-se no séc. XX, quando por várias vezes juramos, crentes de nossa modernidade, segundo as ideologias mais rotas da cena mundial.
Para a literatura, como veremos, resulta daí um labirinto singular, uma espécie de oco dentro do oco. Ainda aqui, Machado será o mestre.
Em suma, se insistimos no viés que escravismo e favor introduziram nas idéias do tempo, não foi para as descartar, mas para descrevê-las enquanto enviesadas, fora de centro em relação à exigência que elas mesmas propunham, e reconhecivelmente nossas, nessa mesma qualidade. Assim, posto de parte o raciocínio sobre as causas, resta na experiência aquele desconcerto que foi o nosso ponto de partida: a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício contrastes rebarbativos, desproporções, disparates, anacronismos, contradições, conciliações e o que for combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar.[13]
Não faltam exemplos. Vejam-se alguns, menos para analisá-los, que para indicar a ubiquidade do quadro e a variação de que é capaz.
Nas revistas do tempo, sendo grave ou risonha, a apresentação do número inicial é composta para baixo e falsete: primeira parte, afirma-se o propósito redentor da imprensa, na tradição de combate da Ilustração; a grande seita fundada por Gutenberg afronta a indiferença geral, nas alturas o condor e a mocidade entreveem o futuro, ao mesmo tempo que repelem o passado e os preconceitos, enquanto a tocha regeneradora do Jornal desfaz as trevas da corrupção. Na segunda parte, conformando-se às circunstâncias, as revistas declaram a sua disposição cordata, de dar a todas as classes em geral e particularmente à honestidade das famílias, um meio de deleitável instrução e de ameno recreio . A intenção emancipadora casa-se com charadas, união nacional, figurinos, conhecimentos gerais e folhetins.[14] Caricatura desta sequência são os versinhos que servem de epígrafe à Marmota na Corte: Eis a Marmota/ Bem variada/ P ra ser de todos/ Sempre estimada.// Fala a verdade,/ Diz o que sente,/Ama e respeita/ A toda gente.
Se, noutro campo, raspamos um pouco os nossos muros, mesmo efeito de coisa compósita: A transformação arquitetônica era superficial. Sobre as paredes de terra, erguidas por escravos, pregavam-se papéis decorativos europeus ou aplicavam-se pinturas, de forma a criar a ilusão de um ambiente novo, como os interiores das residências dos países em industrialização. Em certos exemplos, o fingimento atingia o absurdo: pintavam-se motivos arquitetônicos greco-romanos pilastras, arquitraves, colunatas, frisas etc. com perfeição de perspectiva e sombreamento, sugerindo uma ambientação neoclássica jamais realizável com as técnicas e materiais disponíveis no local. Em outros, pintavam-se janelas nas paredes, com vistas sobre ambientes do Rio de Janeiro, ou da Europa, sugerindo um exterior longínquo, certamente diverso do real, das senzalas, escravos e terreiros de serviço.[15] O trecho refere-se a casas rurais na Província de São Paulo, segunda metade do séc. XIX. Quanto à corte: A transformação atendia à mudança dos costumes, que incluíam agora o uso de objetos mais refinados, de cristais, louças e porcelanas, e formas de comportamento cerimonial, como maneiras formais de servir à mesa. Ao mesmo tempo conferia ao conjunto, que procurava reproduzir a vida das residências europeias, uma aparência de veracidade. Desse modo, os estratos sociais que mais benefícios tiravam de um sistema econômico baseado na escravidão e destinado exclusivamente à produção agrícola procuravam criar, para seu uso, artificialmente, ambientes com características urbanas e europeias, cuja operação exigia o afastamento dos escravos e onde tudo ou quase tudo era produto de importação.[16]
Nas revistas do tempo, sendo grave ou risonha, a apresentação do número inicial é composta para baixo e falsete: primeira parte, afirma-se o propósito redentor da imprensa, na tradição de combate da Ilustração; a grande seita fundada por Gutenberg afronta a indiferença geral, nas alturas o condor e a mocidade entreveem o futuro, ao mesmo tempo que repelem o passado e os preconceitos, enquanto a tocha regeneradora do Jornal desfaz as trevas da corrupção. Na segunda parte, conformando-se às circunstâncias, as revistas declaram a sua disposição cordata, de dar a todas as classes em geral e particularmente à honestidade das famílias, um meio de deleitável instrução e de ameno recreio . A intenção emancipadora casa-se com charadas, união nacional, figurinos, conhecimentos gerais e folhetins.[14] Caricatura desta sequência são os versinhos que servem de epígrafe à Marmota na Corte: Eis a Marmota/ Bem variada/ P ra ser de todos/ Sempre estimada.// Fala a verdade,/ Diz o que sente,/Ama e respeita/ A toda gente.
Se, noutro campo, raspamos um pouco os nossos muros, mesmo efeito de coisa compósita: A transformação arquitetônica era superficial. Sobre as paredes de terra, erguidas por escravos, pregavam-se papéis decorativos europeus ou aplicavam-se pinturas, de forma a criar a ilusão de um ambiente novo, como os interiores das residências dos países em industrialização. Em certos exemplos, o fingimento atingia o absurdo: pintavam-se motivos arquitetônicos greco-romanos pilastras, arquitraves, colunatas, frisas etc. com perfeição de perspectiva e sombreamento, sugerindo uma ambientação neoclássica jamais realizável com as técnicas e materiais disponíveis no local. Em outros, pintavam-se janelas nas paredes, com vistas sobre ambientes do Rio de Janeiro, ou da Europa, sugerindo um exterior longínquo, certamente diverso do real, das senzalas, escravos e terreiros de serviço.[15] O trecho refere-se a casas rurais na Província de São Paulo, segunda metade do séc. XIX. Quanto à corte: A transformação atendia à mudança dos costumes, que incluíam agora o uso de objetos mais refinados, de cristais, louças e porcelanas, e formas de comportamento cerimonial, como maneiras formais de servir à mesa. Ao mesmo tempo conferia ao conjunto, que procurava reproduzir a vida das residências europeias, uma aparência de veracidade. Desse modo, os estratos sociais que mais benefícios tiravam de um sistema econômico baseado na escravidão e destinado exclusivamente à produção agrícola procuravam criar, para seu uso, artificialmente, ambientes com características urbanas e europeias, cuja operação exigia o afastamento dos escravos e onde tudo ou quase tudo era produto de importação.[16]
Ao vivo esta comédia está nos notáveis capítulos iniciais do Quincas Borba. Rubião, herdeiro recente, é constrangido a trocar o seu escravo crioulo por um cozinheiro francês e um criado espanhol, perto dos quais não fica à vontade. Além de ouro e prata, seus metais do coração, aprecia agora as estatuetas de bronze um Fausto e um Mefistófeles que são também de preço.
Matéria mais solene, mas igualmente marcada pelo tempo, é a letra de nosso hino à República, escrita em 1890, pelo poeta decadente Medeiros e Albuquerque. Emoções progressistas a que faltava o natural: Nós nem cremos que escravos outrora /Tenha havido em tão nobre país! (outrora é dois anos antes, uma vez que a Abolição é de 88). Em 1817, numa declaração do governo revolucionário de Pernambuco, mesmo timbre, com intenções opostas: Patriotas, vossas propriedades inda as mais opugnantes ao ideal de justiça serão sagradas.[17] Refere-se aos rumores de emancipação, que era preciso desfazer, para acalmar os proprietários.
Também a vida de Machado de Assis é um exemplo, na qual se sucedem rapidamente o jornalista combativo, entusiasta das inteligências proletárias, das classes ínfimas , autor de crônicas e quadrinhas comemorativas, por ocasião do casamento das princesas imperiais, e finalmente o Cavaleiro e mais tarde Oficial da Ordem da Rosa.[18]
Contra isso tudo vai sair a campo Sylvio Romero. É mister fundar uma nacionalidade consciente de seus méritos e defeitos, de sua força e de seus delíquios, e não arrumar um pastiche, um arremedo de judas das festas populares que só serve para vergonha nossa aos olhos do estrangeiro. (...) Só um remédio existe para tamanho desideratum: mergulharmo-nos na corrente vivificante das idéias naturalistas e monísticas, que vão transformando o velho mundo.[19]
À distancia é tão clara que tem graça a substituição de um arremedo por outro. Mas é também dramática, pois assinala quanto era alheia a linguagem na qual se expressava, inevitavelmente, o nosso desejo de autenticidade. Ao pastiche romântico iria suceder o naturalista. Enfim, nas revistas, nos costumes, nas casas, nos símbolos nacionais, nos pronunciamentos de revolução, na teoria e onde mais for, sempre a mesma composição arlequinal , para falar com Mário de Andrade: o desacordo entre a representação e o que, pensando bem, sabemos ser o seu contexto.
Consolidada por seu grande papel no mercado internacional, e mais tarde na política interna, a combinação de latifúndio e trabalho compulsório atravessou impávida a Colônia, Reinados e Regências, Abolição, a Primeira República, e hoje mesmo é matéria de controvérsia e tiros.[20]
O ritmo de nossa vida ideológica, no entanto, foi outro, também ele determinado pela dependência do país: à distância acompanhava os passos da Europa. Note-se, de passagem, que é a ideologia da independência que vai transformar em defeito esta combinação; bobamente, quando insiste na impossível autonomia cultural, e profundamente, quando reflete sobre o problema. Tanto a eternidade das relações sociais de base quanto a lepidez ideológica das elites eram parte a parte que nos toca da gravitação deste sistema por assim dizer solar, e certamente internacional, que é o capitalismo.
Em consequência, um latifúndio pouco modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclássica, romântica, naturalista, modernista e outras, que na Europa acompanharam e refletiram transformações imensas na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que em parte se deu. No entanto, vimos que é inevitável este desajuste, ao qual estávamos condenados pela máquina do colonialismo, e ao qual, para que já fique indicado o seu alcance mais que nacional, estava condenada a mesma máquina quando nos produzia. Trata-se enfim de segredo mui conhecido, embora precariamente teorizado.
Para as artes, no caso, a solução parece mais fácil, pois sempre houve modo de adorar, citar, macaquear, saquear, adaptar ou devorar, estas maneiras e modas todas, de modo que refletissem, na sua falha, a espécie de torcicolo cultural em que nos reconhecemos. Mas, voltemos atrás.
Em resumo, as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis. Foram postas numa constelação especial, uma constelação prática, a qual formou sistema e não deixaria de afetá-las. Por isso, pouco ajuda insistir na sua clara falsidade. Mais interessante é acompanhar-lhes o movimento, de que ela, a falsidade, é parte verdadeira. Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas as idéias mais adiantadas do planeta, ou quase, pois o socialismo já vinha à ordem do dia e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distinção. E naturalmente foram revolucionárias quando pesaram no Abolicionismo.
Submetidas à influência do lugar, sem perderem as pretensões de origem, gravitavam segundo uma regra nova, cujas graças, desgraças, ambiguidades e ilusões eram também singulares. Conhecer o Brasil era saber destes deslocamentos, vividos e praticados por todos como uma espécie de fatalidade, para os quais, entretanto, não havia nome, pois a utilização imprópria dos nomes era a sua natureza.
Largamente sentido como defeito, bem conhecido mas pouco pensado, este sistema de impropriedades decerto rebaixava o cotidiano da vida ideológica e diminuía as chances da reflexão. Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo. Exacerbado um nadinha, dará na força espantosa da visão de Machado de Assis.
Ora, o fundamento deste ceticismo não está seguramente na exploração refletida dos limites do pensamento liberal. Está, se podemos dizer assim, no ponto de partida intuitivo, que nos dispensava do esforço. Inscritas num sistema que não descrevem nem mesmo em aparência, as idéias da burguesia viam infirmada já de início, pela evidência diária, a sua pretensão de abarcar a natureza humana. Se eram aceitas, eram-no por razões que elas próprias não podiam aceitar. Em lugar de horizonte, apareciam sobre um fundo mais vasto, que as relativiza: as idas e vindas de arbítrio e favor. Abalava- se na base a sua intenção universal.
Assim, o que na Europa seria verdadeira façanha da crítica, entre nós podia ser a singela descrença de qualquer pachola, para quem utilitarismo, egoísmo, formalismo e o que for, são uma roupa entre outras, muito da época mas desnecessariamente apertada. Está-se vendo que este chão social é de consequência para a história da cultura: uma gravitação complexa, em que volta e meia se repete uma constelação na qual a ideologia hegemônica do Ocidente faz figura derrisória, de mania entre manias. O que é um modo, também, de indicar o alcance mundial que têm e podem ter as nossas esquisitices nacionais.
Algo de comparável, talvez, ao que se passava na literatura russa. Diante desta, ainda os maiores romances do realismo francês fazem impressão de ingênuos. Por que razão? Justamente, é que a despeito de sua intenção universal, a psicologia do egoísmo racional, assim como a moral formalista, faziam no Império Russo efeito de uma ideologia estrangeira e portanto localizada e relativa. De dentro de seu atraso histórico, o país impunha ao romance burguês um quadro mais complexo.
A figura caricata do ocidentalizante, francófilo ou germanófilo, de nome frequentemente alegórico e ridículo, os ideólogos do progresso, do liberalismo, da razão, eram tudo formas de trazer à cena a modernização que acompanha o Capital. Estes homens esclarecidos mostram-se alternadamente lunáticos, ladrões, oportunistas, crudelíssimos, vaidosos, parasitas etc. O sistema de ambiguidades assim ligadas ao uso local do ideário burguês uma das chaves do romance russo pode ser comparado àquele que descrevemos para o Brasil. São evidentes as razões sociais da semelhança.
Também na Rússia a modernização se perdia na imensidão do território e da inércia social, entrava em choque com a instituição servil e com seus restos, choque experimentado como inferioridade e vergonha nacional por muitos, sem prejuízo de dar a outros um critério para medir o desvario do progressismo e do individualismo que o Ocidente impunha e impõe ao mundo. Na exacerbação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso uma vergonha, está uma das raízes profundas da literatura russa. Sem forçar em demasia uma comparação desigual, há em Machado pelas razões que sumariamente procurei apontar um veio semelhante, algo de Gogol, Dostoievski, Gontcharov, Tchecov, e de outros talvez, que não conheço.[21]
Em suma, a própria desqualificação do pensamento entre nós, que tão amargamente sentíamos, e que ainda hoje asfixia o estudioso do nosso século XIX, era uma ponta, um ponto nevrálgico por onde passa e se revela a história mundial.[22]
Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente Brasil põe e repõe idéias europeias, sempre em sentido impróprio. É nesta qualidade que elas serão matéria e problema para a literatura. O escritor pode não saber disso, nem precisa, para usá-las. Mas só alcança uma ressonância profunda e afinada caso lhes sinta, registre e desdobre ou evite o descentramento e a desafinação. Se há um número indefinido de maneiras de fazê-lo, são palpáveis e definíveis as contravenções. Nestas registra-se, como ingenuidade, tagarelice, estreiteza, servilismo, grosseria etc., a eficácia específica e local de uma alienação de braços longos a falta de transparência social, imposta pelo nexo colonial e pela dependência que veio continuá-lo.
Isso posto, o leitor pouco ficou sabendo de nossa história literária ou geral, e não situa Machado de Assis. De que lhe servem então estas páginas? Em vez do panorama e da ideia correlata de impregnação pelo ambiente, sempre sugestiva e verdadeira, mas sempre vaga e externa, tentei uma solução diferente: especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura; uma dificuldade inescapável tal como o Brasil a punha e repunha aos seus homens cultos, no processo mesmo de sua reprodução social. Noutras palavras, uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual.
Pela ordem, procurei ver na gravitação das idéias um movimento que nos singularizava. Partimos da observação comum, quase uma sensação, de que no Brasil as idéias estavam fora de centro, em relação ao seu uso europeu. E apresentamos uma explicação histórica para esse deslocamento, que envolvia as relações de produção e parasitismo no país, a nossa dependência econômica e seu par, a hegemonia intelectual da Europa, revolucionada pelo Capital. Em suma, para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia-a-dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional. O tic-tac das conversões e reconversões de liberalismo e favor é o efeito local e opaco de um mecanismo planetário.
Ora, a gravitação cotidiana das idéias e das perspectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura, desde o momento em que as formas fixas tenham perdido a sua vigência para as artes. Portanto, é o ponto de partida também do romance, quanto mais do romance realista. Assim, o que estivemos descrevendo é a feição exata com que a História mundial, na forma estruturada e cifrada de seus resultados locais, sempre repostos, passa para dentro da escrita, em que agora influi pela via interna o escritor saiba ou não, queira ou não queira. Noutras palavras, definimos um campo vasto e heterogêneo, mas estruturado, que é resultado histórico, e pode ser origem artística.
Ao estudá-lo, vimos que difere do europeu, usando embora o seu vocabulário. Portanto a própria diferença, a comparação e a distância fazem parte de sua definição. Trata-se de uma diferença interna o descentramento de que tanto falamos em que as razões nos aparecem ora nossas, ora alheias, a uma luz ambígua, de efeito incerto. Resulta uma química também singular, cujas afinidades e repugnâncias acompanhamos e exemplificamos um pouco. É natural, por outro lado, que esse material proponha problemas originais à literatura que dependa dele. Sem avançarmos por agora, digamos apenas que, ao contrário do que geralmente se pensa, a matéria do artista mostra assim não ser informe: é historicamente formada, e registra de algum modo o processo social a que deve a sua existência. Ao formá-la, por sua vez, o escritor sobrepõe uma forma a outra forma, e é da felicidade desta operação, desta relação com a matéria pré-formada em que imprevisível dormita a História que vão depender profundidade, força, complexidade dos resultados. São relações que nada têm de automático, e veremos no detalhe quanto custou, entre nós, acertá-las para o romance.
E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que não as trata, se as tratar diretamente.
Matéria mais solene, mas igualmente marcada pelo tempo, é a letra de nosso hino à República, escrita em 1890, pelo poeta decadente Medeiros e Albuquerque. Emoções progressistas a que faltava o natural: Nós nem cremos que escravos outrora /Tenha havido em tão nobre país! (outrora é dois anos antes, uma vez que a Abolição é de 88). Em 1817, numa declaração do governo revolucionário de Pernambuco, mesmo timbre, com intenções opostas: Patriotas, vossas propriedades inda as mais opugnantes ao ideal de justiça serão sagradas.[17] Refere-se aos rumores de emancipação, que era preciso desfazer, para acalmar os proprietários.
Também a vida de Machado de Assis é um exemplo, na qual se sucedem rapidamente o jornalista combativo, entusiasta das inteligências proletárias, das classes ínfimas , autor de crônicas e quadrinhas comemorativas, por ocasião do casamento das princesas imperiais, e finalmente o Cavaleiro e mais tarde Oficial da Ordem da Rosa.[18]
Contra isso tudo vai sair a campo Sylvio Romero. É mister fundar uma nacionalidade consciente de seus méritos e defeitos, de sua força e de seus delíquios, e não arrumar um pastiche, um arremedo de judas das festas populares que só serve para vergonha nossa aos olhos do estrangeiro. (...) Só um remédio existe para tamanho desideratum: mergulharmo-nos na corrente vivificante das idéias naturalistas e monísticas, que vão transformando o velho mundo.[19]
À distancia é tão clara que tem graça a substituição de um arremedo por outro. Mas é também dramática, pois assinala quanto era alheia a linguagem na qual se expressava, inevitavelmente, o nosso desejo de autenticidade. Ao pastiche romântico iria suceder o naturalista. Enfim, nas revistas, nos costumes, nas casas, nos símbolos nacionais, nos pronunciamentos de revolução, na teoria e onde mais for, sempre a mesma composição arlequinal , para falar com Mário de Andrade: o desacordo entre a representação e o que, pensando bem, sabemos ser o seu contexto.
Consolidada por seu grande papel no mercado internacional, e mais tarde na política interna, a combinação de latifúndio e trabalho compulsório atravessou impávida a Colônia, Reinados e Regências, Abolição, a Primeira República, e hoje mesmo é matéria de controvérsia e tiros.[20]
O ritmo de nossa vida ideológica, no entanto, foi outro, também ele determinado pela dependência do país: à distância acompanhava os passos da Europa. Note-se, de passagem, que é a ideologia da independência que vai transformar em defeito esta combinação; bobamente, quando insiste na impossível autonomia cultural, e profundamente, quando reflete sobre o problema. Tanto a eternidade das relações sociais de base quanto a lepidez ideológica das elites eram parte a parte que nos toca da gravitação deste sistema por assim dizer solar, e certamente internacional, que é o capitalismo.
Em consequência, um latifúndio pouco modificado viu passarem as maneiras barroca, neoclássica, romântica, naturalista, modernista e outras, que na Europa acompanharam e refletiram transformações imensas na ordem social. Seria de supor que aqui perdessem a justeza, o que em parte se deu. No entanto, vimos que é inevitável este desajuste, ao qual estávamos condenados pela máquina do colonialismo, e ao qual, para que já fique indicado o seu alcance mais que nacional, estava condenada a mesma máquina quando nos produzia. Trata-se enfim de segredo mui conhecido, embora precariamente teorizado.
Para as artes, no caso, a solução parece mais fácil, pois sempre houve modo de adorar, citar, macaquear, saquear, adaptar ou devorar, estas maneiras e modas todas, de modo que refletissem, na sua falha, a espécie de torcicolo cultural em que nos reconhecemos. Mas, voltemos atrás.
Em resumo, as idéias liberais não se podiam praticar, sendo ao mesmo tempo indescartáveis. Foram postas numa constelação especial, uma constelação prática, a qual formou sistema e não deixaria de afetá-las. Por isso, pouco ajuda insistir na sua clara falsidade. Mais interessante é acompanhar-lhes o movimento, de que ela, a falsidade, é parte verdadeira. Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas as idéias mais adiantadas do planeta, ou quase, pois o socialismo já vinha à ordem do dia e rancoroso, pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distinção. E naturalmente foram revolucionárias quando pesaram no Abolicionismo.
Submetidas à influência do lugar, sem perderem as pretensões de origem, gravitavam segundo uma regra nova, cujas graças, desgraças, ambiguidades e ilusões eram também singulares. Conhecer o Brasil era saber destes deslocamentos, vividos e praticados por todos como uma espécie de fatalidade, para os quais, entretanto, não havia nome, pois a utilização imprópria dos nomes era a sua natureza.
Largamente sentido como defeito, bem conhecido mas pouco pensado, este sistema de impropriedades decerto rebaixava o cotidiano da vida ideológica e diminuía as chances da reflexão. Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo. Exacerbado um nadinha, dará na força espantosa da visão de Machado de Assis.
Ora, o fundamento deste ceticismo não está seguramente na exploração refletida dos limites do pensamento liberal. Está, se podemos dizer assim, no ponto de partida intuitivo, que nos dispensava do esforço. Inscritas num sistema que não descrevem nem mesmo em aparência, as idéias da burguesia viam infirmada já de início, pela evidência diária, a sua pretensão de abarcar a natureza humana. Se eram aceitas, eram-no por razões que elas próprias não podiam aceitar. Em lugar de horizonte, apareciam sobre um fundo mais vasto, que as relativiza: as idas e vindas de arbítrio e favor. Abalava- se na base a sua intenção universal.
Assim, o que na Europa seria verdadeira façanha da crítica, entre nós podia ser a singela descrença de qualquer pachola, para quem utilitarismo, egoísmo, formalismo e o que for, são uma roupa entre outras, muito da época mas desnecessariamente apertada. Está-se vendo que este chão social é de consequência para a história da cultura: uma gravitação complexa, em que volta e meia se repete uma constelação na qual a ideologia hegemônica do Ocidente faz figura derrisória, de mania entre manias. O que é um modo, também, de indicar o alcance mundial que têm e podem ter as nossas esquisitices nacionais.
Algo de comparável, talvez, ao que se passava na literatura russa. Diante desta, ainda os maiores romances do realismo francês fazem impressão de ingênuos. Por que razão? Justamente, é que a despeito de sua intenção universal, a psicologia do egoísmo racional, assim como a moral formalista, faziam no Império Russo efeito de uma ideologia estrangeira e portanto localizada e relativa. De dentro de seu atraso histórico, o país impunha ao romance burguês um quadro mais complexo.
A figura caricata do ocidentalizante, francófilo ou germanófilo, de nome frequentemente alegórico e ridículo, os ideólogos do progresso, do liberalismo, da razão, eram tudo formas de trazer à cena a modernização que acompanha o Capital. Estes homens esclarecidos mostram-se alternadamente lunáticos, ladrões, oportunistas, crudelíssimos, vaidosos, parasitas etc. O sistema de ambiguidades assim ligadas ao uso local do ideário burguês uma das chaves do romance russo pode ser comparado àquele que descrevemos para o Brasil. São evidentes as razões sociais da semelhança.
Também na Rússia a modernização se perdia na imensidão do território e da inércia social, entrava em choque com a instituição servil e com seus restos, choque experimentado como inferioridade e vergonha nacional por muitos, sem prejuízo de dar a outros um critério para medir o desvario do progressismo e do individualismo que o Ocidente impunha e impõe ao mundo. Na exacerbação deste confronto, em que o progresso é uma desgraça e o atraso uma vergonha, está uma das raízes profundas da literatura russa. Sem forçar em demasia uma comparação desigual, há em Machado pelas razões que sumariamente procurei apontar um veio semelhante, algo de Gogol, Dostoievski, Gontcharov, Tchecov, e de outros talvez, que não conheço.[21]
Em suma, a própria desqualificação do pensamento entre nós, que tão amargamente sentíamos, e que ainda hoje asfixia o estudioso do nosso século XIX, era uma ponta, um ponto nevrálgico por onde passa e se revela a história mundial.[22]
Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente Brasil põe e repõe idéias europeias, sempre em sentido impróprio. É nesta qualidade que elas serão matéria e problema para a literatura. O escritor pode não saber disso, nem precisa, para usá-las. Mas só alcança uma ressonância profunda e afinada caso lhes sinta, registre e desdobre ou evite o descentramento e a desafinação. Se há um número indefinido de maneiras de fazê-lo, são palpáveis e definíveis as contravenções. Nestas registra-se, como ingenuidade, tagarelice, estreiteza, servilismo, grosseria etc., a eficácia específica e local de uma alienação de braços longos a falta de transparência social, imposta pelo nexo colonial e pela dependência que veio continuá-lo.
Isso posto, o leitor pouco ficou sabendo de nossa história literária ou geral, e não situa Machado de Assis. De que lhe servem então estas páginas? Em vez do panorama e da ideia correlata de impregnação pelo ambiente, sempre sugestiva e verdadeira, mas sempre vaga e externa, tentei uma solução diferente: especificar um mecanismo social, na forma em que ele se torna elemento interno e ativo da cultura; uma dificuldade inescapável tal como o Brasil a punha e repunha aos seus homens cultos, no processo mesmo de sua reprodução social. Noutras palavras, uma espécie de chão histórico, analisado, da experiência intelectual.
Pela ordem, procurei ver na gravitação das idéias um movimento que nos singularizava. Partimos da observação comum, quase uma sensação, de que no Brasil as idéias estavam fora de centro, em relação ao seu uso europeu. E apresentamos uma explicação histórica para esse deslocamento, que envolvia as relações de produção e parasitismo no país, a nossa dependência econômica e seu par, a hegemonia intelectual da Europa, revolucionada pelo Capital. Em suma, para analisar uma originalidade nacional, sensível no dia-a-dia, fomos levados a refletir sobre o processo da colonização em seu conjunto, que é internacional. O tic-tac das conversões e reconversões de liberalismo e favor é o efeito local e opaco de um mecanismo planetário.
Ora, a gravitação cotidiana das idéias e das perspectivas práticas é a matéria imediata e natural da literatura, desde o momento em que as formas fixas tenham perdido a sua vigência para as artes. Portanto, é o ponto de partida também do romance, quanto mais do romance realista. Assim, o que estivemos descrevendo é a feição exata com que a História mundial, na forma estruturada e cifrada de seus resultados locais, sempre repostos, passa para dentro da escrita, em que agora influi pela via interna o escritor saiba ou não, queira ou não queira. Noutras palavras, definimos um campo vasto e heterogêneo, mas estruturado, que é resultado histórico, e pode ser origem artística.
Ao estudá-lo, vimos que difere do europeu, usando embora o seu vocabulário. Portanto a própria diferença, a comparação e a distância fazem parte de sua definição. Trata-se de uma diferença interna o descentramento de que tanto falamos em que as razões nos aparecem ora nossas, ora alheias, a uma luz ambígua, de efeito incerto. Resulta uma química também singular, cujas afinidades e repugnâncias acompanhamos e exemplificamos um pouco. É natural, por outro lado, que esse material proponha problemas originais à literatura que dependa dele. Sem avançarmos por agora, digamos apenas que, ao contrário do que geralmente se pensa, a matéria do artista mostra assim não ser informe: é historicamente formada, e registra de algum modo o processo social a que deve a sua existência. Ao formá-la, por sua vez, o escritor sobrepõe uma forma a outra forma, e é da felicidade desta operação, desta relação com a matéria pré-formada em que imprevisível dormita a História que vão depender profundidade, força, complexidade dos resultados. São relações que nada têm de automático, e veremos no detalhe quanto custou, entre nós, acertá-las para o romance.
E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que não as trata, se as tratar diretamente.
Roberto Schwarz
[1] A. R. de Torres Bandeira, "A liberdade do trabalho e a concorrência, seu efeito, são prejudiciais à classe operária?" , in O Futuro, n.º IX, 15-1-1863. Machado era colaborador constante nesta revista
[2] A Polêmica Alencar-Nabuco, organização e introdução de Afrânio Coutinho, Ed. Tempo Brasileiro, R. J., 1965, p. 106.
[3] Depoimento de uma firma comercial, M. Wright & Cia., com respeito à crise financeira dos anos 50. Citado por Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império, S. P., 1936, vol. 1, p. 188, e retomado por S. B. de Holanda, Raízes do Brasil, J. Olympio, R. J., 1956, p. 96. In Roberto Schwartz, "As ideias fora de lugar". Ao vencedor as Batatas. Forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro, 2000 (1ª ed.), 2012 (6ª ed.), São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, Coleção Espírito Crítico.
[4] E. Viotti da Costa, "Introdução ao estudo da emancipação política", in C. G. Mota ed., Brasil em Perspectiva, Difusão Europeia do Livro, S. P., 1968.
[5] S. B. de Holanda, op. cit., p. 15.
[6] E. Viotti da Costa, op. cit.
[7] F. H. Cardoso, Capitalismo e Escravidão, Difusão Europeia do Livro, S. P., 1962, p. 189-191 e 198
[8] Conforme observa Felipe de Alencastro em trabalho ainda inédito, a verdadeira questão nacional de nosso século XIX foi a defesa do tráfico negreiro contra a pressão inglesa. Uma questão que não podia ser menos propícia ao entusiasmo intelectual.
[9] Para uma exposição mais completa do assunto, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata, Instituto de Estudos Brasileiros, S. P., 1969.
[10] Sobre os efeitos ideológicos do latifúndio, ver o cap. III de Raízes do Brasil, A herança rural .
[11] Como observa Machado de Assis, em 1879, o influxo externo é que determina a direção do movimento; não há por ora no nosso ambiente, a força necessária à invenção de doutrinas novas . Cf. A nova geração , Obra Completa, Aguilar, R. J., 1959, vol. III, p. 826-827.
[12] G. Lukács, "Marx und das Problem des Ideologischen Verfalls", in Probleme des Realismus, Werke, vol. 4, Luchterhand, Neuwied.
[13] Explorada em outra linha, a mesma observação encontra-se em Sérgio Buarque: Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e imprevistos, elevar à perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso trabalho e de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem. (op. cit., p. 15).
[14] Ver o Prospecto de O Espelho, Revista semanal de literatura, modas, indústria e artes, Typographia de F de Paula Brito, R. J., 1859, n.º 1, p. 1; Introdução da Revista Fluminense, Semanário noticioso, literário, científico, recreativo etc., etc., ano , n.º 1, novembro de 1868, p. 1 e 2; A Marmota na Corte, Typ. de Paula Brito, n.º 1, 7 de setembro de 1840, p. 1; Revista Ilustrada, publicada por Ângelo Agostini, R. J., 1-1-1876, n.º 1; Apresentação de O Bezouro, folha humorística e satírica, 1.º Anno, n.º 1, 6 de abril de 1878; Cavaco, in O Cabrião, n.º 1, Typ. Imperial, S. P., 1866, p. 2.
[15] Nestor Goulart Reis Filho, Arquitetura Residencial Brasileira no Século XIX, manuscrito, p. 14- 15.
[16] Nestor Goulart Reis Filho, op. cit., p. 8.
[17] Viotti da Costa, op. cit., p. 104.
[18] Jean-Michel Massa, A Juventude de Machado de Assis, Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1883, p. 15.
[19] S. Romero, Ensaios de Crítica Parlamentar, Moreira, Maximino & Cia, Rio de Janeiro, 1883, p. 15.
[20] Para as razões desta inércia, ver Celso Furtado, Formação econômica do Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1971.
[21] 21 Para uma construção rigorosa de nosso problema ideológico, em linha um pouco diversa desta, ver Paula Beiguelman, Teoria e Ação no Pensamento Abolicionista, vol. I de Formação Política do Brasil, Livraria Pioneira Ed., S. Paulo, 1967, em que há várias citações que parecem sair de um romance russo. Veja-se a seguinte, de Pereira Barreto: "De um lado estão os abolicionistas, estribados sobre o sentimentalismo retórico e armados da metafísica revolucionária, correndo após tipos abstratos para realizá-los em fórmulas sociais; de outro estão os lavradores, mudos e humilhados, na atitude de quem se reconhece culpado ou medita uma vingança impossível. P. Barreto é defensor de uma agricultura científica é um progressista do café e nesse sentido acha que a abolição deve ser efeito automático do progresso agrícola. Além de que os negros são uma raça inferior, e é uma desgraça depender deles." Op. cit., p. 159.
[22] Antonio Candido lança algumas idéias neste sentido. Procura distinguir uma linhagem malandra em nossa literatura. Veja-se a sua "Dialética da Malandragem", na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, 1970, n.º 8. Também os parágrafos sobre a Antropofagia, na "Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade", in Vários Escritos, Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1970, p. 84 e ss.