"A classe média é extremamente importante, porque ela exerce cotidianamente a dominação. Os ricos mandam, mas quem suja as mãos e faz o trabalho sujo da dominação é a classe média".
sexta-feira, julho 28, 2017
Trump-Têmeres e os cristãos fascistas
sonia @sonia_divinaa
08:10 - 24 de jul de 2017
Brasil hoje é refém das seitas neopentecostais
o nosso daesh o califado cristão sionista
[ver também] JornalGGN @JornalGGN*
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O vácuo ideológico de Temer-Trump, quanto mais são isolados e atacados, vai sendo preenchido pela direita cristã. Esse fascismo cristianizado, com sua rede de megaigrejas, escolas, universidades e faculdades de Direito e imenso império de rádio e TV, é aliado potente de uma Casa Branca/Palácio do Planalto capada(o). A direita cristã prepara-se e organiza-se há décadas para tomar o poder. Se a nação sofrer outro colapso econômico, o que é provavelmente inevitável, outra onda de ataques terroristas ou inventar alguma nova guerra, o poder de Trump-Temer para impor a agenda da direita cristã e fazer calar qualquer oposição ou dissidência estará dramaticamente aumentado. Na eleição presidencial nos EUA, 81% dos evangélicos brancos apoiaram Trump [essa 'pesquisa' as empresas de mídia ainda não fizeram no Brasil: preferências eleitorais aferidas por religião declarada (NTs)].
Trump-Temer (...) elevou ao poder vários figurões da direita cristã – Mike Pence à vice-presidência, Jeff Sessions ao Departamento de Justiça, Neil Gorsuch para a Suprema Corte, Betsy DeVos ao Departamento de Educação, Tom Price para Saúde e Serviços Humanos e Ben Carson para Moradia e Desenvolvimento Urbano. Trump-Temer abraça o suprematismo branco, a intolerância branca, o chauvinismo norte-americano, a ganância, a intolerância religiosa, o ódio e o racismo que definem a direita cristã.
Mais importante, o desdém de Trump-Temer pelos fatos e a tendência ao pensamento mágico, as teorias de conspiração combinam bem com a visão de mundo da direita cristã, que se vê, ela mesma, sempre como se estivesse sob ataque direto de forças satânicas do humanismo secular encarnado na academia, na imprensa que não seja fundamentalista religiosa, no establishment liberal, em Hollywood e no
Os seguidores da direita cristã, Trump-Temer e seus 'assessores' pensantes, inclusive Stephen Bannon, são Maniqueístas. Veem o mundo em branco e preto, bem e mal, eles e nós. A fala de Trump-Temer no discurso na Polônia, em que clamou por uma cruzada contra as hordas de muçulmanos sem deus – os mesmos que tentam salvar-se das guerras e caos que os EUA criamos – replica a visão da direita cristã.
Líderes da direita cristã, em sinal de apoio, visitaram a Casa Branca dia 10 de julho, para rezar por Trump ["Líderes evangélicos rezam por Temer", em O Globo, 15/4/2016]. Dois dias depois, Pat Robertson já lá estava para entrevistar o presidente para sua Rede Cristã de Comunicação [ing. Christian Broadcasting Network].
Se essa aliança entre esses zelotes e o governo for efetivamente criada, acabará com os últimos vestígios da democracia norte-americana/brasileira [no Brasil, já acabou].
Na superfície pareceria incongruente que a direita cristã se pusesse a seguir um especulador nova-iorquino ativo no ramo imobiliário, conhecido publicamente como mulherengo e adúltero, sem qualquer consideração pela verdade, consumido pela ganância, que não dá qualquer sinal de algum dia ter lido ou ouvido falar da Bíblia, que rotineiramente assalta seus investidores e fornecedores, que expressa a mais crua misoginia e narcisismo ainda mais cru e mostra propensão para o despotismo. Pareceria incongruente, mas, na verdade, essas são as características que definem a maioria dos líderes da direita cristã. Temer-Trump saqueou gente em desespero nas milhares de máquinas caça-níqueis em seus cassinos, em sua universidade de impostura e em seus negócios imobiliários bem reais [Temer & equipe, no Brasil, fizeram praticamente o mesmo, servindo-se da máquina de extorsão de propinas que organizaram na Câmara e operante, de fato, há décadas].
Pastores de megaigrejas são como aves de rapina na predação dos infelizes que os seguem, para extrair "sementes ofertadas", "dádivas de amor", dízimos e doações, vendendo curas milagrosas e "roupas de orar" [no Brasil, "moda evangélica"], livros de autoajuda, gravações de áudio e vídeo e até shakes de proteína. Os pastores estabeleceram-se dentro de suas megaigrejas, como Temer-Trump estabeleceram-se em seus 'direitos', negócios e feudos despóticos. Não podem ser desafiados nem questionados, assim como aquele Trump onipotente não podia ser desafiado no programa "O aprendiz" (e Temer não pode ser desafiado por jornalistas completamente acanalhados). E os bispos tentam agora replicar em escala nacional as suas pequenas tiranias – sempre com homens brancos no comando.
A piedade pessoal da maioria dos bispos e ministros que lideram a direita cristã não passa de fachada. A vida privada dele é quase sempre marcada pelo mais ostentatório hedonismo, que inclui mansões, aviões particulares, limusines, esquadrões de guarda-costas, assistentes e serviçais pessoais, viagens para compras, férias de ostentação e escapadas sexuais que rivalizam com as de
A rede de mídia Trinity Broadcasting Network (TBN) é lar dos piores charlatães na direita cristã nos EUA, incluindo o curandeiro Benny Hinn, que diz que Adão foi um super-herói que podia voar até a Lua, e que um dia os mortos serão ressuscitados, se assistirem às transmissões da rede Trinity dentro dos próprios esquifes. (...)
Esses grandes mentirosos de massa são alguns dos charlatães mais bem-sucedidos nos EUA, traço que partilham com vários dos moradores da Casa Branca ao longo da história.
Em 2007 publiquei um livro intitulado "American Fascists: The Christian Right and the War on America" [Fascistas norte-americanos: A Direita Cristã e a Guerra contra os EUA]. Não usei a palavra "fascistas" levianamente. Consumi várias horas ao final de dois anos de pesquisas, com dois dos maiores especialistas norte-americanos em fascismo – Fritz Stern e Robert O. Paxton. Será que essa ideologia dita "evangélica" satisfaz os parâmetros do fascismo clássico? Será virulenta e organizada que chegue para tomar o poder? [No Brasil, já tomou, por golpe] Irá aos extremos mais cruéis dos movimentos fascistas prévios, de perseguir e silenciar qualquer dissidência? Terá nossa sociedade desindustrializada replicado o desespero que alucina, a alienação e o ódio que sempre alimentaram os movimentos fascistas?
O evangelismo promovido pela direita cristã é muito diferente hoje do evangelismo e do fundamentalismo de há um século. A ênfase na piedade pessoal que definia o movimento antigo, a lição de evitar a contaminação da política do capitalismo, foi substituída pelo Christian Reconstructionism [Reconstrucionismo Cristão], que muitos chamam de Dominionism [aprox. Dominionismo]. Essa nova ideologia tem a ver com assumir o controle de todas as instituições, inclusive no governo, para construir uma nação "Cristã".
Rousas John Rushdoony em seu livro de 1973, "The Institutes of Biblical Law" [Os Institutos da Lei Bíblica] foi o primeiro a articular a nova ideologia. Rushdoony argumentou que Deus dá ao eleito, assim como deu a Adão e Noé, o domínio sobre a Terra, para construir uma sociedade Cristã. O estado virá com a erradicação física das forças de Satã. É dever da igreja e do eleito 'resgatar' o mundo, para que Cristo possa voltar [a doença de 'combater a corrupção', sem contudo jamais combater qualquer corrupção que não seja a corrupção dos inimigos deles, tem muito a ver com essa perversão de 'limpar' o mundo e preparar a volta de Cristo (que só voltará para os dellagnóis, não para os mais de 50 milhões de brasileiros que elegemos Lula e Dilma)].
Essa é uma ideologia da morte. Promete que a sociedade secular, humanista será fisicamente destruída. Os Dez Mandamentos serão a base do sistema legal. Criacionismo ou "Desígnio Inteligente" será ensinado nas escolas públicas. Pessoas consideradas 'desviantes, incluindo homossexuais, imigrantes, humanistas seculares, feministas, judeus, muçulmanos, criminosos e os descartados como "cristãos nominais" – quer dizer, cristãos que não abraçam a interpretação 'deles' da Bíblia (q para eles seria a única versão certa do livro sagrado) – serão silenciados, aprisionados ou mortos.
Nesse mundo, o papel do governo federal será reduzido a proteger direitos de propriedade, a segurança "da pátria-mãe" e a fazer guerras, muitas guerras. Organizações religiosas receberão fundos do Estado e os correspondentes direitos, para organizar e dirigir agências de bem-estar.
Aos pobres, condenados por indolência e por viverem 'em pecado', não receberão qualquer assistência do estado. A pena de morte será expandida para incluir "crimes morais", dentre os quais apostasia, blasfêmia, sodomia e bruxaria, além de aborto, que será tratado como assassinato. As mulheres serão subordinadas aos homens.
Crentes de outras fés serão tratados na melhor das hipóteses como cidadãos de segunda classe, na pior, serão expulsos da sociedade, convertidos em párias. As guerras no Oriente Médio serão definidas como cruzadas religiosas contra muçulmanos. Não haverá separação entre igreja e estado. As únicas vozes legítimas serão 'cristãs'. Os EUA serão convertidos em agentes de Deus. Os que se opuserem às autoridades cristãs serão declarados agentes de Satã.
Dezenas de milhões de norte-americanos [e outros tantos brasileiros!] já estão hermeticamente fechados dentro dessa visão de mundo bizarra.
São alimentados por dieta rigorosa de teorias conspiracionais e mentiras, nos jornais, na televisão, na internet, nas igrejas, nos colégios e universidades religiosos. Elizabeth Dilling, que escreveu "The Red Network" [A Rede Vermelha] será livro obrigatório (a autora era simpatizante do nazismo). Thomas Jefferson, que pregava a separação entre igreja e estado, já é ignorado.
Essa propaganda cristã promove as "significativas contribuições da Confederação. O senador Joseph McCarthy, que comandou a caça às bruxas do anticomunismo nos anos 1950s, já está reabilitado como herói dos EIA. O conflito Israel-Palestina, e as guerras no Iraque, Afeganistão, Iêmen, Somália e Líbia são definidas como parte da batalha planetária contra o terror islâmico-satânico. Atualmente, quase 40% dos norte-americanos creem no criacionismo ou no "Desígnio Inteligente". E quase um terço da população, 94 milhões de pessoas, consideram-se 'evangélicas'.
Os que se mantêm num universo conectado à realidade frequentemente descartam esses desgraçados, como palhaços. Não levam a sério o enorme segmento do público, a maioria constituída de trabalhadores e brancos, os quais, por causa das dificuldades econômicas têm ânsias primais de vingança, de nova glória e de renovação moral, e são facilmente enganados e seduzidos pelo pensamento mágico. Essas ânsias e emoções primais foram exploradas politicamente por
Os que abraçam esse movimento têm de sentir, mesmo que não o sejam, que são vítimas cercadas por grupos obscuros e sinistros dedicados a destruí-los [perfeita descrição de figuras como o juiz Moro e o procurador Dallagnol]. Eles precisam autoelevar-se ao papel de guerreiros santificados, imbuídos de um objetivo nobre e que receberam chamamento divino. No poder, têm de santificar o ódio e o machismo que estão no cerne do fascismo. A rigidez e o infantilismo dessa crença, que inclui ser escolhido por Deus para um específico objetivo na vida, são armas potentes na luta contra os demônios que eles mesmos criam e contra a ânsia, jamais respondida, por significado.
"O mal, quando estamos presos em suas garras, nós não o sentimos como mal, mas como necessidade, até mesmo como dever" – escreveu Simone Weil.
Esses crentes, como todos os fascistas, detestam o mundo construído de realidades. Condenam esse mundo real como contaminado, decaído e imoral. Esse mundo acabou com os empregos, destruiu o futuro, arruinou cidades e comunidades. Desgraçou seus filhos. Afogou a vida dos próprios crentes – antes de verem a luz, claro – no álcool, nos narcóticos, na pornografia, no abuso sexual, em longas sentenças de prisão, na violência doméstica, na privação e no desespero. E então, das profundezas do desespero suicidário, os hoje crentes repentinamente descobriram que Deus sempre tivera um plano para eles. Deus os salvará. Deus é fiel. Deus intervirá na vida deles e protegerá os crentes. Deus os convocou para levar adiante essa missão no mundo e para serem ricos, poderosos e felizes.
As forças racionais, seculares, aquelas que falam a linguagem do fato e da prova lógica e material, são odiadas e temidas, porque sempre tentam puxar os neocrentes outra vez para "a cultura da morte" que quase os destruíram antes de terem visto a luz. O sistema da crença mágica, como foi para os trabalhadores alemães empobrecidos que acorreram aos milhares para o Partido Nazista, é uma boia salva-vidas emocional. É a única coisa que os mantêm à tona.
A única via para desmascarar e esvaziar esse movimento mágico é reintegrar aquelas massas à economia, dar-lhes estabilidade no mundo real mediante bons salários e benefícios, para lhes restaurar a autoestima. Precisam viver numa sociedade não predatória, mas, isso sim, que provê escolas públicas com financiamento abundante, educação universitária gratuita e atenção universal à saúde, uma sociedade na qual eles e suas famílias possam prosperar.
Não podemos nos deixar ficar junto aos portões escancarados da cidade, passivamente à espera de que cheguem os bárbaros. Eles estão chegando. Correm furiosos em direção a Belém. Temos de nos livrar de toda nossa complacência e nosso cinismo.
Temos de desafiar abertamente o establishment liberal, que não nos salvará; exigir e lutar por reparação econômica para os pobres e a classe trabalhadora. Temos de dar a todos os brasileiros e norte-americanos uma esperança objetivamente baseada na realidade, que os faça encontrar algum futuro viável. O tempo está acabando.
Se não agirmos, os fascistas cristãos – brasileiros ou norte-americanos ou outros, agarrados a cruzes e estandartes e aventaizinhos maçônicos, agarrados a bandeiras nacionais e a patos amarelos, e orquestrando 'cultos' em massa, que ocupam as cidades, e nos quais todos recitam o juramento de compromisso, todos unidos por trás da figura patética de Donald Temer Michel
terça-feira, julho 25, 2017
Redução pirada de gastos públicos é péssima para os negócios >> Bancos falidos? Deixa quebrar.
1/7/2017, Craig Murray Blog
Eis uma surpreendente verdade. Salários médios reais na Grã-Bretanha são hoje 5% inferiores ao que eram há precisamente uma década.
"Gráfico 2: Pagamento semanal total médio: real e nominal, economia total, ajustada, 2015, em % – Janeiro 2005 a abril 2017 (Gabinete de Estatísticas Nacionais da Grã-Bretanha)"
Não passa um dia em que a mídia-empresa não fale da estagnação dos salários. Só é estagnação, se você só considerar os números de depois da quebradeira dos bancos. Se você toma por referência os números de uma década atrás, não há estagnação: há colapso.
Vivemos a pior década para salários reais na Grã-Bretanha desde, no mínimo, 1814-24, e eu diria que as coisas ainda são piores hoje que naquele momento. Vale também anotar que aquela aguda recessão também foi disparada pela redução no gasto público, embora em níveis mais baixos.
Tema constante do Partido Trabalhista na campanha eleitoral, e que ganha força, é que o governo anterior do Partido Trabalhista não gastou demais nem erradamente. O que derrubou a economia foi a crise dos bancos.
Até certo ponto. O governo anterior do Partido Trabalhista gastou, sim, desastrosamente. Mas não gastou em serviços públicos. Brown e Darling gastaram alucinadamente bombeando quantias inacreditáveis de dinheiro público para 'resgatar' os bancos. Isso causou a massiva inflação da dívida pública inicial. A grande ironia é, claro, que os juros da dívida são pagos aos mesmos banqueiros que receberam o dinheiro como se estivessem sendo 'resgatados'.
Está na moda entre os direitistas argumentar que os 'resgates' de bancos de fato nem aconteceram, ou, se aconteceram, não custaram coisa alguma. Essa prática de reescrever a história é cada dia mais frequente na narrativa da mídia-empresa dominante. Mas a Dívida Nacional era de 36% do PIB em 2007 (e estava em queda), e pulou para 60% do PIB em 2009. Aí está o 'resgate' de bancos.
O resgate dos bancos afundados no crash disparou as chamadas 'políticas de austeridade' [são políticas de arrocho, não de austeridade] concebidas para reparar as finanças públicas, mas que congelaram o crescimento econômico. À falta de crescimento somou-se a desregulação neoliberal do mercado de trabalho, especialmente a diminuição violenta do papel dos sindicatos, o que levou ao colapso dos salários.
O governo gosta de dizer que nesse período a distância entre os 10% que ganham mais e os 10% 'de baixo' teria diminuído (ligeiramente). Até parece que é verdade. Mas esse número pouco significa. A distância entre o 1% mais ricos e os 99% menos ricos mais que dobrou, naquela década. O que aconteceu foi que a sociedade andou para trás, na direção de modelo mais vitoriano. 1% são super-ricos, todo o resto da população está ficando cada dia mais pobre, e a diferença entre uns e outros não diminui.
Interessa-me de modo especial que o desastre da renda das pessoas comuns foi ainda maior, mais profundo e persiste por mais tempo do que se viu no período imediatamente depois do desastre financeiro dos anos 1930s.
Fiz oposição ao resgate dos bancos naquele momento, e hoje estou convencido de que não eu não estava errado. Os maus bancos deveriam ter-se rebentado.
Se o governo pagasse às pessoas e empresas o que tivesse de ser pago pelo esquema das garantias, teria custado 10% a menos, aos cofres públicos, do que o chamado 'resgate' dos bancos fracassados.
A bolha imobiliária teria colapsado, o que tornaria a propriedade ter preços realistas em relação aos salários e evitando que se formasse a sociedade de proprietários e inquilinos em que nos vamos transformando.
Maus banqueiros teriam perdido os empregos e aprendido boa lição, pela via mais difícil e mais eloquente, no que tivesse a ver com práticas bancárias – em vez do contrário, a ponto de os banqueiros crerem, como hoje, que podem fazer qualquer coisa, errar o quanto errem, porque sempre serão 'resgatados'. O 'resgate' foi massivo incentivo à perversidade.
Bancos falidos seriam comprados por outros mais bem administrados e não falidos, ou surgiriam novos bancos. Esse é o modo como as economias avançam.
É possível que a recessão imediata tivesse sido mais profunda. Venda de grandes propriedades em Londres, de Porsches, cocaína e prostituição teria aumentado. Mas depois viria o tipo de recuperação forte e sustentada, com crescimento real, que se viu em todos oscrashes financeiros que a história conheceu, em vez da desgraça e dor paralisantes que se veem hoje no país.
Claro que há outros fatores que afetam a economia, o que torna muito difícil isolar o efeito do resgate dos bancos sobre a Grã-Bretanha. Mas na mesma década, Alemanha, França e Itália tiveram crescimento nos salários reais.
A perversão desse ataque continuado contra os gastos públicos, é claro, agravou terrivelmente a situação. Mas se se vê o desastre que é a vida para as pessoas comuns depois do 'resgate', e já há tanto tempo, acho difícil acreditar que a vida teria sido pior, se nenhum banco tivesse sido 'resgatado'.
Acho impressionante que essa causa raiz de tantas de nossas desgraças seja jamais mencionada nas 'análises' ditas 'jornalísticas' que se leem hoje.
Os neotrabalhistas neoliberais ("New Labour") não foram responsáveis só por grande parte da desregulação que tornou possível o grandecrash. Políticas como a Iniciativa de Financiamento Público [ing. Public Finance Initiative (equivalem às 'parcerias público-privadas', como se chamam no Brasil)] não passaram de instrumentos para fazer jorrar bilhões de libras/dólares/reais etc. previstos como gasto para finalidades públicas, diretamente nos bolsos dos banqueiros. 'Resgatar' amigos banqueiros com o dinheiro de toda a sociedade não exigiu muita reflexão de Darling e Brown. Lord Darling tem recebido um dinheirinho que pinga em seus pessoais bolsos vindo dos banqueiros, e praticamente desde sempre. Há um círculo do Inferno reservado especialmente para Brown e Darling [e para Temer e Meirelles et allii].
Não por acaso, jamais vi a questão proposta em lugar algum. Mas, por favor, apareçam todos vocês e proponham ideias. O que cada um aí pensa que estaria acontecendo hoje, se os bancos tivessem quebrado, como é óbvio que quebrariam?
ATUALIZAÇÃO
Em resposta a um comentário, pesquisei o crescimento real dos salários na Islândia nesse período. A Islândia não 'resgatou' banco algum e deixou que os bancos quebrassem. Claro que é economia diferente da economia do Reino Unido, mas mesmo assim a comparação é interessante. De fato, exatamente como postulei acima que poderia acontecer no Reino Unido, depois de queda inicial profunda, os salários na Islândia recuperaram-se muito saudavelmente, o que gerou aumento geral muito forte para todo o período.
Gráfico: tradingeconomics.com
ATENÇÃO: O gráfico acima mede outra coisa, em relação ao que aparece acima, do Reino Unido. O gráfico do Reino Unido mede o nível dos salários em termos constantes em 2015. O crescimento islandês mede a taxa de crescimento em salários reais.
Embora as duas economias não sejam perfeitamente comparáveis, e não bastem para provar minha tese, com certeza são dados que não a desmentem.
Aqui, um postado interessante de um blog que partilha minha avaliação segundo a qual é errado considerar a globalização e a desregulação neoliberal como se fossem uma coisa só, ou parte do mesmo processo. A globalização pode ser boa. A desregulação é sempre ruim.*****
quinta-feira, julho 20, 2017
Golpe: trama para instabilizar Rousseff, Lula e o Brasil
Partidos neoliberais, a mídia-empresa, um Judiciário reacionário, lobbyists da indústria do petróleo, a elite branca e grupos de direita, com generosa ajuda do exterior, reuniram-se em gangue para fazer desandar o governo do Brasil. E tudo isso para faz crer que se tratasse de levante popular contra regime corrupto.
São Paulo: em novembro de 2009, The Economist pôs o Brasil na capa da edição do mês. Brasil Takes Off [Brasil decola], lia-se lá, sobre uma foto da estátua icônica do Cristo Redentor pairando sobre águas azuis como um foguete interestelar. Prevendo que "o Brasil tem tudo para se tornar a quinta maior economia do mundo, superando Grã-Bretanha e França", a revista dizia que a maior economia da América do Sul, deveria "ganhar mais velocidade nos próximos anos, quando as reservas de petróleo de águas profundas chegassem ao mercado, e com os países da Ásia ainda carentes dos alimentos e dos minerais nobres da farta e pródiga terra do Brasil."
Em 2009, quando o mundo enfrentava ainda uma crise financeira catastrófica, The Economist via o Brasil como a maior esperança do capitalismo global.
Naquele momento, a revista britânica não era a única apaixonada pelo Brasil. Sob a liderança do presidente Lula da Silva, o país testemunhava prosperidade e mudança social sem precedentes. A própria ascensão pessoal de Lula, de engraxate de rua e mecânico de motores a presidente do maior país da América Latina, era matéria de que se fazem os mitos históricos. Lula foi objeto de vários livros, sempre sucessos de venda. Na cúpula do G-20 em Londres, em abril de 2009, o presidente Barack Obama dos EUA disse dele que era "o político mais popular do planeta". E com os dois maiores espetáculos esportivos do planeta – a Copa do Mundo da FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos (2016) – marcados para acontecer no país, o Brasil, perenemente estigmatizado como "o país do futuro", finalmente parecia ter chegado ao centro do palco global.
Sete anos depois, o Brasil parece país completamente diferente. Lula, que deixou o governo ao final de seu segundo mandato em 2010 com aprovação de 80% dos brasileiros, foi detido mês passado para ser interrogado num escândalo de corrupção de multibilhões de dólares em função do qual alguns de seus camaradas do Partido dos Trabalhadores, PT foram encarcerados. Sua sucessora, a presidenta Dilma Rousseff está hoje ameaçada deimpeachment no Congresso. A economia do Brasil encolheu 3,5% ano passado, e esse ano não será melhor. A inflação é já de dois dígitos e centenas de milhares de brasileiros enfrentam o desemprego. Milhões de pessoas tomaram as ruas – uns contra e outros a favor do governo. Ninguém se preocupa com quem dará conta da tarefa de fazer os Jogos Olímpicos do Rio, que estão a menos de cinco meses de começar. E a mídia-empresa – global e local – já condenou Lula, Rousseff e o Brasil.
A história de sucesso do Brasil começou a perder parte do brilho em 2013, especialmente aos olhos da mídia-empresa internacional. Em setembro de 2013, The Economist novamente pôs o Brasil na capa. A matéria criticava furiosamente a presidenta Rousseff, que governara o país nos últimos três anos, e enfrentava novas eleições no ano seguinte. Para The Economist, Rousseff fizera "muito pouco para reformar o próprio governo nos anos de crescimento e fartura." E exigia que o Brasil pusesse fim ao "excesso de impostos e taxas", "ao excessivo gasto público" e ao pagamento de aposentadorias e pensões "generosas" demais.
O ano não havia sido bom para o Brasil. A economia tropeçava e centenas de milhares de pessoas saíram às ruas pouco antes da Copa das Confederações da FIFA para protestar contra corrupção e exigir melhores serviços públicos. A economia parecia completamente desencaminhada.
O que, então, saíra tão errado entre 2009 e 2013? Como aconteceu de Rousseff, que a revista Forbes declarara a mulher mais poderosa do mundo em 2010, tenha se tornado repentinamente fraca e incompetente? Como aconteceu de a história do Brasil passar, de história de esperança para história de desespero, em tão pouco tempo?
A resposta é simples – petróleo e o dinheiro, o poder e a política que o petróleo gera.
Mesma história, mesmo petróleo
Em 2007, o Brasil descobriu um campo de imensas reservas de petróleo numa região oceânica de águas profundas, do pré-sal. No período de um ano, o país descobriu reservas de petróleo e gás natural superiores a 50 bilhões de barris – a maior reserva conhecida da América do Sul. O Brasil tornou-se o novo queridinho dos mercadores mundiais de petróleo e de Wall Street.
A empresa estatal brasileira de petróleo, Petrobrás, sempre deteve o monopólio da exploração do petróleo no Brasil desde que foi fundada em 1953, mas o setor abrira-se para a Royal Dutch Shell em 1997. Com as descobertas de petróleo de 2007-08, gigantes globais como Chevron, Shell e ExxonMobil viraram-se para o Brasil à espera de contratos lucrativos. Mas nenhum negócio era possível.
Em 2007, Lula restaurara parcialmente o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo do Brasil. Leis redigidas sob orientação de Rousseff, então chefe da Casa Civil de Lula, deram à companhia direitos exclusivos de operação; e todos os lucros gerados pelo petróleo foram vinculados aos programas sociais do governo, à educação e à saúde. A Petrobrás começou também a construir parcerias com outras estatais de petróleo, especialmente com a China. (ONGC e Bharat Petroleum também são parceiras da Petrobrás e mantêm escritórios no Rio, onde está a sede da Petrobrás.)
A Agência de Informação de Energia [ing. Energy Information Agency (EIA)] e o Departamento de Estado imediatamente começaram a fazer lobbysobre funcionários do Brasil, a favor de empresas norte-americanas. Telegramas diplomáticos secretos distribuídos por WikiLeaks em 2010 revelaram o quanto os norte-americanos estavam preocupados com a presença de empresas estatais chinesas no Brasil. Por exemplo, num telegrama que detalhava o modo como os EUA tentavam mudar as leis brasileiras a seu favor.
Logo o Brasil entraria em campanha eleitoral, para escolher o sucessor de Lula, e o partido de Lula, o Partido dos Trabalhadores, PT indicou Rousseff à presidência. O principal partido de oposição, o Partido da Social-Democracia Brasileira, PSDB, que sempre apoiara a privatização da Petrobrás, apresentou como candidato o ex-governador de São Paulo, Jose Serra. Os EUA acompanhavam muito atentamente as eleições; documentos revelados por WikiLeaks mostram que os EUA estavam investindo na vitória de Serra, para obter mudanças nas leis. "Deixem que esses caras [do PT] façam o que quiserem. Não haverá concorrência, e então mostraremos que o velho modelo funcionava (...) E reverteremos ao que era antes" – como se lê num telegrama de 2009, que Serra teria dito ao lobby do petróleo.
Mas Serra foi fragorosamente derrotado por Rousseff na eleição de 2010. A Petrobrás permaneceu como única operadora dos campos de petróleo no Brasil, e a renda do petróleo continuou a irrigar os programas sociais do governo.
Pouco adiante, a chinesa Sinopec tornou-se ativa na exploração de petróleo em águas brasileiras, nos termos da lei que estipulava uma quota mínima de 30% para a própria Petrobrás em todas as empreitadas. Foi o fim da lua de mel do 'ocidente' com o Brasil.
"Quando o lobby deles falhou e não rendeu contratos de petróleo para as empresas norte-americanas, o Brasil passou a ser o vilão, como a Venezuela. As empresas de petróleo e o governo dos EUA lançaram um primeiro ataque clandestino contra nós. Em seguida, a mídia-empresa norte-americana passou a nos atacar" – diz um veterano diplomata no Itamaraty, onde está instalado o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, que pediu que seu nome não fosse citado. – "Mas o governo também cometeu um erro, ao depositar tantas esperanças na Petrobrás e no petróleo, esquecendo que petróleo é mercadoria e o preço das mercadorias sempre pode desabar" – acrescenta a mesma fonte.
O governo chegou ao poder com a promessa de fazer do Brasil uma sociedade mais igualitária, com estado de bem-estar forte; e o petróleo e a Petrobrás estavam no coração do projeto do governo de esquerda, que planejava usar dinheiro e recursos públicos para combater a miséria, criar empregos públicos e levar o desenvolvimento a áreas remotas do país. A Petrobrás não foi investimento errado. Em 2007, a capitalização no mercado chegou a $190 bilhões. Em 2010, último ano até então de Lula no poder, o Brasil crescera 7,5% e as coisas pareciam promissoras. Mesmo com uma queda nos lucros e na capitalização nos anos seguintes, mesmo assim a empresa continuou como uma das maiores petroleiras do mundo.
Mas as coisas piorariam muito.
Entra em cena a Agência de Segurança Nacional dos EUA, NSA
Em junho de 2013, Edward Snowden, administrador de sistemas na Agência de Segurança Nacional dos EUA, fugiu para Hong Kong com grande quantidade de documentos sequestros. Nos poucos meses seguintes, trabalhando com jornalistas de vários jornais, Snowden divulgou uma série de artigos que mostravam que o governo dos EUA espionava políticos, governos, empresas e movimentos sociais em todo o planeta. Assim se descobriu que, surpreendentemente, o Brasil era um dos principais alvos da Agência de Segurança Nacional dos EUA, que coletava mais dados do Brasil, que da Rússia ou da China! Os norte-americanos alegaram que a vigilância era parte das medidas antiterrorismo. Mas os documentos sobre o Brasil – e também de países como a Índia – mostraram quadro completamente diferente. Em pouco tempo já não havia dúvidas de que os principais alvos da espionagem pela Agência de Segurança Nacional dos EUA no Brasil eram a Petrobrás e a presidenta Rousseff.Revelações explosivas. Edward Snowden na capa da revista Wired. Crédito: Mike Mozart/Flickr CC 2.0
A Agência de Segurança Nacional dos EUA espionava os e-mails de Rousseff, o telefone oficial da presidenta do Brasil e também seu telefone celular particular, e tinha todos os e-mails, telefonemas, mensagens e documentação oficial sobre a rede da Petrobrás. As relações diplomáticas EUA-Brasil caíram até quase o congelamento total. Funcionários brasileiros rapidamente declararam que a espionagem fora montada para promover os interesses dos EUA no petróleo e no gás brasileiros.
Naquele momento, a Petrobrás aproximava-se do leilão de um de seus maiores campos de petróleo, com várias empresas norte-americanas esperando participar. Mas, depois que Rousseff deu as costas a Obama na reunião do G20 na Rússia, e funcionários da Petrobrás acusaram os EUA de terem roubado informações, o que lhes daria "posição de privilégio no leilão", começaram a aparecer matérias negativas sobre a petroleira brasileira nos veículos da mídia-empresa ocidental. No leilão, nenhuma empresa norte-americana apresentou proposta. A previsão de Serra se confirmara.
Com segredos empresariais e informação comercial relevante sobre seu patrimônio já arquivados nos computadores da Agência de Segurança Nacional dos EUA, a Petrobrás estava paralisada. E a queda apenas começava.
Em março de 2014, Alberto Yousseff, escroque já condenado por lavagem de dinheiro, que já estivera preso cinco vezes, pôs-se a cantar como canário, depois de negociar uma "delação premiada" com advogados públicos em Curitiba, capital do estado do Paraná, no sul do Brasil. Yousseff citou vários figurões da política brasileira os quais, dizia ele, ter-se-iam beneficiado de suborno, propinas e lavagem de dinheiro na Petrobrás. Desde então, o processo construído em torno desse escândalo, chefiado pelo juiz Sergio Moro, só faz recolher denúncias contra os maiores empresários brasileiros, executivos do petróleo e, muito significativamente, contra toda a liderança do Partido dos Trabalhadores.
Conhecido como "Operação Lava-Jato", o inquérito foi dirigido como telenovela ou seriado de TV, com grandes nomes ou 'liberados' pela polícia ou metidos no xilindró por Moro, em intervalos regulares.
Esse mês, aconteceu o impensável. O mais popular líder político da história do Brasil estava a um passo de ser preso, acusado de corrupção relacionada à Petrobrás. Dia 3 de março, a Polícia Federal prendeu Lula em sua residência, com um mandato de "prisão coercitiva" (que obriga alguém a depor em algum caso criminal) e o manteve preso durante cinco horas no escritório da Polícia Federal no Aeroporto doméstico de São Paulo.
Com Lula preso e depois libertado, a tensão subiu à estratosfera no país, com um grupo de brasileiros – a classe mais rica, predominantemente branca – festejando a ação da polícia; enquanto muitos outros protestavam conta "o golpe". No dia em que Lula foi preso, o Brasil rachou verticalmente, de alto abaixo.
História de golpes
O Brasil é país dividido já há algum tempo. Poucos no país reconhecem que existam preconceitos e divisões por classe e por raça, mas são visíveis na política diária e nos conflitos sociais no Brasil. Depois de anos de pressão, as linhas começaram a virar rachaduras em junho de 2013, quando o Brasil se preparava para realizar a Copa das Federações da FIFA. Milhares saíram às ruas protestando contra o governo, alguns clamando pelo impeachmentda presidenta, outros 'exigindo' até uma intervenção militar. Ignorando a natureza de classe e racista dos protestos, a mídia-empresa – local e internacional – falou de "Primavera do Brasil" –, que seria um levante contra um governo corrupto e impopular.
Narrativa similar foi repetida nos últimos dias, logo depois da prisão de Lula. Mas muitos no governo já veem aí uma conspiração. "O que está acontecendo no país é uma conspiração nacional e internacional para destruir o Partido dos Trabalhadores, e para introduzir no Brasil um modelo econômico como o modelo [neoliberal] argentino atual" – diz o veterano diplomata brasileiro Samuel Guimarães a jornalistas depois de Lula ter sido detido pela polícia. – "Há um golpe em curso".Getúlio Vargas in 1930. Credit: Wikimedia Commons
O Brasil conhece golpes. Como conhece também a interferência dos EUA nos assuntos do país (que desconhecemos na Índia). No século 20, pelo menos três presidentes brasileiros perderam o mandato – e um deles perdeu a vida – por seguir políticas que favorecessem os mais pobres da população, para fúria das elites locais brasileiras – e de Washington.
Em todos esses casos, a derrubada dos presidentes foi atribuída à inflação alta, ao salários cada dia menos suficientes para garantir a vida do trabalhador e à má gestão da economia. Nos golpes pelos quais o Brasil já passou já um padrão histórico visível.
Getúlio Vargas, que criou a Petrobrás como empresa estatal e deu direitos sociais aos brasileiros mais pobres, foi cassado pela elite do Rio de Janeiro, que falava pelas páginas de uma mídia-empresa oligopolista, acusado de corrupção que Getúlio jamais cometeu. Em 1954, pôs fim à humilhação obcecada e a uma guerra que não conseguiria ganhar e suicidou-se com um tiro no coração.
Depois foi a vez de Jânio Quadros, eleito por margem recorde de vantagem em eleição presidencial em 1961. No mesmo ano, Quadros convidou o revolucionário nascido na Argentina, Ernesto "Che" Guevara para visitar o Brasil e condecorou-o com a medalha da Ordem da Cruz do Sul. O movimento alarmou a elite brasileira e os EUA, todos esses paranoicos com o 'perigo' de o comunismo alastrar-se pela América do Sul. Na sequência, Quadros, 'pistoleiro solitário', sem ideologia clara, cometeu erro ainda mais grave: nacionalizou uma grande empresa mineradora. Em menos de um ano, o Congresso – dominado pelo 'dinheiro velho', pela elite tradicionalista e por fiéis seguidores obediente de Washington – cassou todos os direitos de Jânio Quadros. O presidente renunciou à presidência e deixou Brasília, por motivos que até permanecem envoltos em mistério.João Goulart em New York em 1962. Credit: Wikimedia CommonsDepois de Quadros, veio João Goulart. Homem de centro, com ideias progressistas, Goulart começou por implementar políticas de altos salários para os trabalhadores, estimulou reformas no campo, votou direitos democráticos para todos os brasileiros e promoveu medidas para reforçar a justiça social.
Com o governo do Brasil assumindo trilha levemente de esquerda, John F Kennedy, presidente dos EUA que então ainda se restabelecia do fiasco de sua malfadada aventura na Baía dos Porcos em Cuba, imediatamente começou a discutir com assessores um modo de derrubar Goulart. Conforme se lê em papéis do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, em março de 1963 Kennedy disse a auxiliares que "Temos de fazer alguma coisa quanto ao Brasil".
Pouco depois, a mídia-empresa brasileira 'descobriu' que Goulart seria comunista perigoso, e pôs-se a 'protestar' contra a inflação alta. Em 1964, por ordens dos EUA, o Exército Brasileiro depôs Goulart para "salvar o país" das garras dos comunistas. Até hoje, nos círculos das elites brasileiras, muitos ainda se referem ao golpe de 1964 como "a revolução de 64".
O mundo sabe sobre os regimes da juntas militares brutais no Chile e na Argentina, mas tudo aquilo começou no Brasil – em 1964. Muitos países sul-americanos foram devastados por décadas de ditaduras patrocinadas e apoiadas pelos EUA. Nos anos 1990s, depois de superada a chamada Guerra Fria, aqueles países puderam começar a recuperar a democracia perdida. E então, numa virada irônica e duro golpe contra a Doutrina Monroe, um país latino-americano depois do outro, começando por Venezuela e Brasil, até Argentina, Uruguai e Chile — elegeram governos populares de esquerda. A América do Sul deixara de ser quintão de Washington. Nos últimos 15 anos aproximadamente, todos os países latino-americanos viveram forte crescimento econômico, engajando-se um após o outro com a China, para desenvolver relações comerciais, e fazendo daquele país asiático o principalplayer na região.
A segunda vez, como tragédia
Outra vez, a marcha acelerada da América do Sul rumo à esquerda disparou todos os alarmes em Washington. E também deixou inquietas as elites locais. Depois de 13 anos de governo do PT, durante os quais os brasileiros viveram sob condições para eles desconhecidas, com apoio de enormes planos de bem-estar social, a chamada 'elite' brasileira, alucinada de preocupação e de medo de ter de partilhar direitos que considerava seus 'por direito', já nem dorme de tão preocupada com a "bolivarização" do Brasil – uma referência às políticas progressistas na Venezuela de Hugo Chávez. Em São Paulo, capital financeira da América do Sul, as conversas do circuito dos coquetéis giram em torno de o que fazer para impedir que o Brasil "vire uma Venezuela". Manifestantes nas ruas repetem os mesmos slogans que aprendem da televisão e dos jornais, e atacam qualquer pessoa que apareça vestido de vermelho.
Há quem diga que a tragédia de 1964 está sendo reencenada. "Estamos enfrentando uma estratégia de golpe de estado contra presidente eleito" – disse o historiador Paulo Alves de Lima recentemente a Russia Today. "Estamos à beira de uma contrarrevolução violenta, rumo a democracia ainda mais estreita, que desabará sobre o Brasil carregada de violência e arrogância institucionais (...)," – disse Lima ao jornalista brasileiro Pepe Escobar, para quem a "mudança de regime" no Brasil é ataque contra todo o grupo BRICS ("A luta é de vida ou morte, porque Lula é BRICS").
Muitos importantes intelectuais brasileiros, observadores políticos, ativistas sociais, especialistas em direito e ações do Judiciário e gente próxima do governo entendem que, diferente de 1964, quando o exército assumiu a frente do movimento para derrubar governo eleito e legítimo, a atual 'contrarrevolução' está sendo organizada e conduzido por partidos neoliberais em conluio com lobbies de empresários locais, grupos de direita e mídia empresa – todos ajudados por "Judiciário altamente politizado".Aécio Neves. Credit George Gianni/Flickr CC 2.0À frente das acusações contra o governo Rousseff está o PSDB, que se declara social democrata, mas é partido de direita que prega políticas neoliberais e quer o fim do estado de bem-estar.
O PSDB, depois de derrotado em quatro eleições presidenciais – sempre derrotado pelo PT –, vive hoje furiosa luta intestina entre seus próprios líderes – porque todos querem ser presidente nacional do partido. O PSDB farejou uma possibilidade de vitória nas eleições de 2014, quando pesquisas de opinião projetavam que Rousseff estaria 'abalada' pelo escândalo da Petrobrás e pelos protestos de rua. Em plena campanha eleitoral, depois que Eduardo Campos, candidato popular do Partido Socialista do Brasil, morreu misteriosamente num acidente de avião, Aécio Neves, candidato do PSDB, começou a delirar que já estaria entronizado no palácio presidencial. A mídia ocidental projetava Aécio como o homem que poderia salvar o Brasil. Um banqueiro de Morgan Stanley chegou a comparar a ascensão de Neves à do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
As últimas dúvidas que Neves pudesse ter de que seria eleito dissiparam-se completamente quando a revista Veja publicou matéria na véspera do turno final de votação, em dezembro de 2014, segundo a qual Yousseff, escroque lavador de dinheiro teria dito à polícia que Rousseff e Lula sempre souberam da corrupção na Petrobrás.
Com Veja-com-tudo, Aécio perdeu a eleição. Mas menos depois de um mês da posse de Rousseff para seu segundo mandato, em janeiro de 2015, Neves já clamava pelo impeachment da presidenta – sempre acenando com a matéria da revista Veja como "prova" da cumplicidade de Dilma.
Aquela matéria, publicada sem consulta e sem resposta de Lula e Rousseff, era apenas mais uma, dentre várias muito semelhantes. O julgamento da "Operação Lava-Jato" esteve tão frequentemente na mídia, quanto nas cortes de julgamento, sempre servido por vazamentos regulares, de acusações feitas por um ou outro suspeito interrogado e interessado nos benefícios da delação premiada.
O juiz de Curitiba, que se declara inspirado pela Operação Mani Pulite na Itália, tornou-se personagem cult para a classe média brasileira, citado incansavelmente, com fotos sempre reproduzidas em jornais e revistas praticamente todos os dias. Mas Moro, o juiz também tem sido criticado por manter prisioneiros indevidamente, sem fiança, e pelo uso indevido que tem dado à chamada "delação premiada" para construir casos contra outras pessoas. Até o The Sunday Times de Londres publicou artigo recentemente sobre o juiz Moro, questionando o modo como conduz o caso.
O complexo midiático-judicial
Moro não parecia dar sinais de se incomodar com as críticas quando mandou a Polícia prender Lula. Apesar de o nome de Lula aparecer em vários artigos dedicados a associá-lo aos escândalos, até agora não há nem fiapo de prova contra Lula – nem nas cortes oficiais nem na mídia-empresa. Além do mais, o ex-presidente nunca se recusou a cooperar com as investigações. Por isso, quando Lula foi detido por mandato de prisão coercitiva, muitos entenderam que o juiz ultrapassara os limites de suas atribuições legais. Um juiz da Suprema Corte do Brasil, Marco Aurélio Mello, criticou publicamente Moro porque "só se aplicaria a coerção se Lula tivesse sido intimado e se recusasse a testemunhar – o que absolutamente não aconteceu."
Apesar das duras táticas de Moro, a detenção de Lula não saiu conforme o roteiro. Logo que a notícia começou a circular em São Paulo, começaram as brigas entre grupos rivais, na calçada em frente ao prédio onde Lula mora. Depois o PT distribuiu mensagem por Twitter, dizendo que Lula era "prisioneiro político". Com as mídias sociais já fumegando com notícias sobre o "sequestro" de Lula pela Polícia, centenas de pessoas saíram às ruas, aos gritos de "Não permitiremos o golpe!" Com notícias de multidões que se reuniam também em outras cidades, Lula foi autorizado a voltar para casa. Foi da prisão diretamente para a sede do Partido dos Trabalhadores, onde falou a muitos ativistas e estudantes. "Mereço mais respeito, nesse país" – disse Lula, com ar cansado, mas resoluto. À noite, Lula disse, numa reunião de sindicatos, que, sim, concorrerá à presidência em 2018. "Tinha esperanças de que vocês escolhessem outro nome para 2018, mas cutucaram o monstro. Agora, ofereço meu nome a vocês, como candidato" – disse Lula a uma praça lotada de sindicalistas, que gritavam o nome dele, no centro de São Paulo.
Até os mais dedicados petistas, seguidores do PT e de Lula, entendem que o PT é em parte responsável pelo que está acontecendo no Brasil hoje. O envolvimento de líderes do partido em corrupção feriu a imagem de todos entre os próprios petistas. Além disso, o núcleo sindicalista do PT, dos movimentos sociais, de ativistas e ideólogos de esquerda já se haviam afastado do PT, quando Rousseff começou a mover o governo para o centro e cortou laços com aqueles grupos. Nesse cenário, a prisão de Lula deveria ter sido uma sentença de morte para o PT. Na mídia-empresa – local e global – o que se lia é que Lula estaria "isolado" e "acabado". Na vida real a situação era diferente, com milhões de apoiadores reunidos em torno do ex-presidente.
Mas outras reviravoltas estavam por vir
Dia 11 de março, Rousseff ofereceu a Lula um lugar de ministro do governo. Depois de muita discussão e adiamentos, Lula aceitou ser Ministro da Casa Civil de Dilma (posto equivalente ao de primeiro-ministro). O movimento era visto pelos petistas como necessário para salvar o governo do "golpe" que o ameaçava; e a oposição pôs-se a dizer que a nomeação não passaria de manobra para impedi-lo de ser preso no escândalo que se desenvolvia. Dia seguinte, Moro distribuiu fita de uma conversa telefônica entre Lula e Dilma. Na gravação, discutiam-se a inclusão de Lula no ministério. Reproduzida em horário nobre pela TV Globo, a gravação foi 'interpretada' como uma tentativa de Lula e Dilma burlarem a lei – porque ministros só podem ser julgados pela Suprema Corte. Como se uma fita gravada, sem qualquer autenticação formal, valesse como 'prova' de alguma coisa, os jornalistas e âncoras da Globo passaram a conclamar o povo a sair às ruas contra Lula e Rousseff.Lula com sindicalistas, estudantes e o povo dos movimentos sociais, na 6ª-feira, depois de ter passado algumas horas detido, interrogado sobre um escândalo de corrupção Crédito: Ricardo Stuckert
A gravação feita sem autorização no telefone de Rousseff pela Polícia Federal, quando a presidenta falava com um ex-presidente, disparou imediatamente uma comparação com a vigilância que a Agência de Segurança Nacional dos EUA exerce sobre os cidadãos norte-americanos. Furiosos com a ação, vários renomados especialistas judiciais contestaram a decisão de Moro, de gravar conversa privada e, na sequência, vazar a mesma conversa para os jornais, antes mesmo de usá-la como prova no processo. Moro justificou o que fizera, comparando o caso Lula com o caso do ex-presidente dos EUA Richard Nixon e o escândalo de Watergate.
O clip de 30 segundos, que já não terá qualquer serventia judicial, serviu como munição para que a oposição 'exigisse' a prisão de Lula e apressasse o processo de impeachment de Rousseff. Mesmo depois de o juiz Mello da Suprema Corte ter declarado "um crime" a ação de Moro, de instalar escuta ilegal no telefonema da presidenta, a gravação vazou e a rede Globo pôs-se a repetir manchetes histéricas, o que levou ao resultado planejado pelos golpistas: a nomeação de Lula para a Casa Civil do governo Rousseff foi bloqueada e novamente houve protestos contra o governo.
Dois Brasis, duas narrativas
Um dia depois de a conversa gravada ilegalmente vazar, cerca de 1,5 milhão de pessoas, a maioria das quais vestindo a camisa amarela da seleção de futebol do Brasil e acenando com bandeiras do Brasil, saíram às ruas em todo o país. Com fotógrafos ágeis para exibir aquele mar de verde amarelo, pendurados em helicópteros que sobrevoavam a Avenida Paulista, em São Paulo, onde havia 400 mil pessoas no maior protesto antigoverno da cidade, dia seguinte também todos os jornais estavam vestidos de verde e amarelo e em 'clima' de protesto suposto cívico e suposto 'ético'. Como se todo o país estivesse realmente querendo a cabeça do PT. A narrativa do "levante popular contra governo corrupto e ineficiente" estava de volta às páginas e telas da mídia-empresa internacional.
A verdade é um pouquinho mais complicada. Embora vestindo as cores nacionais do Brasil, aqueles manifestantes antigoverno nada tem de nacionais ou nacionalistas. Pesquisa da Datafolha sobre os participantes daquele 'protesto' revelou que 80% deles são brancos, 77% tem curso superior completo e 75% incluem-se em grupo de mais alta renda. Num país onde apenas 50% da população é branca, 11% têm curso superior e menos de 6% inscrevem-se nos grupos de mais alta renda, não é difícil ver que aqueles manifestantes pertencem à camada mais elitista da população: rica, branca e conservadora.
A elite brasileira jamais se deu bem com o governo de esquerda do PT. O candidato preferido daquela elite, o PSDB, foi repetidas vezes derrotado em eleições. Sob governo do PT, mais de 40 milhões de pessoas superaram a pobreza e ascenderam à classe média. Foi o período mais forte de crescimento inclusivo, em país notório pela desigualdade. Mudanças sociais de vários tipos aconteceram no Brasil. Com leis que garantiam salários mínimos e aposentadorias decentes, a classe média deixou de poder explorar livremente o serviço de empregados e motoristas domésticos. Com quotas no acesso à educação, estudantes negros conseguiram entrar em universidades públicas e no mercado de trabalho profissional em números jamais vistos antes. E com melhor renda, os pobres podem afinal viajar de avião, comprar em shopping-centers e construir casas em bairros de classe média – e de população branca. No governo do PT, a ordem social estabelecida foi perturbada.Uma beneficiária do programa Bolsa Família. Crédito: Ana Nascimento/Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/Flickr CC 2.0
Poucos países viram tal mudança social em tão pouco tempo. Assim como os mais ricos explodiram em fúria nos tempos de mudança nos governosVargas e Goulart, dessa vez as classes brasileiras privilegiadas estão indignadas, furiosas contra o PT por 'pôr dinheiro' diretamente na mão dos pobres no programa Bolsa Família (que inspirou o programa MNREGA na Índia). Em seus discursos, Lula frequentemente critica a elite brasileira por não aceitar o avanço da sociedade e por não querer qualquer melhoria na vida dos brasileiros mais pobres. Muitos no PT creem que a crise brasileira foi fabricada pela elite para fazer fracassar o governo popular e devolver o poder político às velhas elites de sempre.
"Os primeiros protestos contra Dilma aconteceram em 2013, quando nos preparávamos para a Copa das Confederações da FIFA. Naquele momento, o desemprego estava no ponto mais baixo de toda a história, de um só dígito; os salários subiam e Dilma tinha 70% de aprovação dos eleitores. E lá estavam aqueles ricos, pedindo 'mudanças'?! Não fazia sentido. Mas já era o início de uma operação 'colorida' de mudança de regime no Brasil" – diz um membro do PT que pediu para não ser identificado. – "Foi tudo organizado e promovido pelas mídias sociais. Foi como uma grande operação de inteligência", diz ele.
Embora não haja qualquer prova de que os protestos contra o governo legítimo de Dilma em 2013 tenham sido organizados do exterior, aquela gente era, sem dúvida possível, representantes da elite mais minoritária. Desde 2013, todos os protestos contra o governo aconteceram em áreas de classe média afluente, bem longe dos bairros onde vivem as grandes maiorias mais pobres da população. A mídia-empresa não fez outra coisa que não fosse 'informar' que as manifestações mostravam a ira dos 'brasileiros comuns'.
As mídia-empresas no Brasil constituem uma oligarquia: são controladas por oligarcas. Com o Brasil já chamado certa vez, em documento dos Repórteres Sem Fronteiras, de "País dos 30 Berlusconis", sempre houve guerra aberta entre o governo de esquerda e as mídia-empresas desde o início do primeiro mandato de Lula em 2003. Nos anos de Rousseff, a guerra ficou ainda mais suja.
O massacre dos governos do PT sempre foi comandado pelo grupo O Globo, que controla dúzias de jornais, revistas, canais de TV e websites. O conglomerado, que se aproxima muito de ter o monopólio de tudo que se noticia no país, do entretenimento, do futebol e do carnaval, sempre foi, historicamente, anti-PT. O mesmo grupo apoiou ativamente também o golpe de 1964. Durante os 21 anos da ditadura militar, o grupo acumulou enormes lucros.
Mas o tom beligerante da Globo não foi bem acolhido pelos brasileiros mais pobres e de classe média – e várias vezes já se falou de boicote contra a emissora e seus veículos. Um dia depois que a televisão exibiu a gravação com as vozes de Lula-Rousseff, o famoso ator brasileiro, estrela da sérieNarcos da Netflix, postou um vídeo em sua página de Facebook, em que expressava preocupação com o "circo midiático" e a "agenda política" do Judiciário. "Se se olha para trás, é a mesma mídia que esteve profundamente envolvida no golpe de 64" – dizia Moura naquele vídeo.A noite dos longos punhais
As empresas de mídia têm enorme poder no país, mas raramente usam esse poder para questionar o Judiciário. Todos os vazamentos seletivos de Moro e da Polícia Federal foram obedientemente publicados. Não houve nunca qualquer acusação séria de corrupção contra líderes do PSDB, incluindo Neves e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que lidera o processo de impeachment contra Rousseff. Mas a mídia não se deu o trabalho de levantar qualquer questão óbvia sobre a ação desses líderes. Muitos dos mais respeitados intelectuais brasileiros veem aí um problema ainda maior. Nas palavras de Jesse de Souza, sociólogo autor de vários livros, o Judiciário assumir a posição de "força superior moderadora", acima da política, a mesma posição que já foi dos militares golpistas e, antes deles, da monarquia. "E a mídia tornou isso possível" – escreveu de Souza em artigo recente.
Para comentaristas de esquerda, o país enfrenta um "golpe", "a mídia-empresa e Judiciário trabalham juntos. Miguel de Rosário, editor de O Cafezinho, website da mídia alternativa de esquerda, vê hoje conspiração ainda maior do que houve em 1964. "Similar a 1964, o golpe atual é apoiado pela maior empresa brasileira de mídia, Globo. Diferente de 1964, o golpe hoje em curso é resultado da ação de um Judiciário ideologicamente militante, e que tem três propósitos: derrubar um governo democraticamente eleito; impedir que o ex-presidente Lula candidate-se à eleição de 2018; e, para culminar, pôr na ilegalidade o Partido dos Trabalhadores" – escreveu Miguel em artigo recente.
Pode soar alarmante, mas, se se observa o modo como as coisas se desenrolam no Brasil, há medo no ar: medo pelo futuro da democracia e do Estado de Direita no Brasil.Central Única dos Trabalhadores, CUT, a maior central sindical do Brasil, organizou massiva demonstração de força dia 18 de março, Avenida Paulista, indicação de que a política brasileira agora se disputará nas ruas. Crédito: Ricardo Stuckert
Foi verdadeiro show da diversidade da população brasileira. A noite pegou fogo quando Lula, vestindo uma camisa vermelha, chegou à Avenida e discursou durante 20 minutos, de pé sobre um ônibus que atravessava a avenida. "Não vai ter golpe" – Lula gritou, e milhares de vozes gritaram com ele. "Democracia tem a ver com garantir voz ao povo, com garantir voz à maioria" – disse Lula, na atmosfera eletrizada daquela noite.
A detenção de Lula renovou as energias da esquerda brasileira. Desde 2013, as ruas estavam dominadas pela direita. Agora, com a esquerda em processo de reagrupamento, muitos temem pelo pior: violência e conflito social.
A partida se encaminha para as jogadas finais
É possível que os brasileiros comuns se preparem para batalhas de rua, mas o verdadeiro jogo é jogado em Brasília, capital do país. Um juiz da Suprema Corte, Gilmar Mendes, impediu que Lula fosse nomeado ministro. Cunha anda de mãos dadas com o PSDB para acelerar o impeachment de Rousseff. Michel Temer, o vice-presidente, anda discutindo abertamente com José Serra (eleito senador por São Paulo) a formação do governo pós-Rousseff. Há boatos de que o processo de impeachment pode estar concluído em fins de abril [a presidenta Dilma Rousseff foi derrubada dia 31 de agosto de 2016, por golpe parlamentar encenado no Congresso (NTs)] e Temer, que aparece com destaque em inúmeros casos de corrupção, assumirá a presidência do Brasil.
O Brasil está à beira do abismo. Um ex-presidente que transformou o país pode ser preso. A atual presidenta, contra a qual não há nem acusações de corrupção está a um passo de sofrer impeachment. E tudo isso num ano em que o país receberá os Jogos Olímpicos. Mas, por mais que alguns se preocupem com a possibilidade de a crise atual agredir as instituições e refiram-se à crise como uma ameaça à democracia, a elite brasileira não dá qualquer sinal de preocupação. Indicação clara do que está fermentando em Brasília, Ilimar Franco, conhecido repórter fotográfico, publicou foto de um almoço dia 16 de março, um dia antes da sentença que impediu Lula de assumir um ministério no governo Dilma. Na foto, veem-se Mendes, autor da sentença contra Lula, em almoço com José Serra e Armínio Fraga, ex-gerente do fundo Quantum de George Soros. A foto viralizou nas mídias sociais, com muitos se perguntando o que estaria em discussão ali, entre o juiz da Suprema Corte que condenara Lula; o político que é personagem frequente de eventos narrados nos telegramas que WikiLeaks divulgou da Embaixada dos EUA em Brasília e no consulado dos EUA no Rio de Janeiro e em São Paulo; e um conhecido gerente de fundos que representa os interesses de corporações financeiras norte-americanas.
Encontraram-se, talvez, para discutir futebol...
Mas com Serra, considerado 'mestre de estratégia política' (sic), no centro da ação, depois da humilhante derrota que sofreu em 2010, quando Dilma foi eleita, as próximas semanas serão cruciais para o Brasil, o PT e a Petrobrás. Em Brasília, fala-se de "batalha de vida ou morte", com alianças políticas de um lado e de outro na luta para arregimentar votos a favor e contra o impeachment de Dilma. Dilma e Lula lutam pela própria sobrevivência política e pela democracia brasileira, mas lobbyists já trabalham duro para quebrar o monopólio da Petrobrás sobre o petróleo do Brasil.
Enquanto prosseguem as disputas mais ferozes nos tribunais e nas ruas, o Senado do Brasil aprovou uma lei que "cancela a exigência de que a Petrobrás permaneça como operadora com pelo menos 30% das ações de todos os campos de petróleo do pré-sal".
Se o projeto de lei redigido por José Serra, for aprovado, porá fim ao controle que a Petrobrás ainda tem sobre os campos de petróleo do Brasil [a lei foi aprovada nas duas casas e assinada por Temer dia 29/11/2016 (NTs)]. O senador Roberto Requião, do Paraná, e alguns outros senadores fizeram ativa oposição, mas a lei passou por diferença muito pequena de votos no Senado. Surpreso com a rapidez jamais vista para privatizar os negócios de petróleo, Requião disse que "o processo está sendo feito 'na correria', sem passar pelas comissões, com lobbyistas circulando sem descanso pelos gabinetes dos senadores, falando em nome de multinacionais do petróleo como Shell e British Petroleum". Mas diante desse lobby massivo das empresas de petróleo, a oposição do senador Requião não bastou para derrubar o projeto de lei que pôs fim ao monopólio da Petrobrás. "Será q o Brasil perdeu a maioria no Senado p/as transnacionais do petróleo? Espero que não" – tuitou o veterano senador depois da votação. (...) Mas fato é que todo o drama que os brasileiros estão vivendo, a detenção de Lula, o impeachment de Dilma e a caça ao PT resumem-se à luta pelo petróleo do Brasil
Como desenvolvimento 'natural' no mundo do Big Oil, The Economist voltou a pôr o Brasil na capa essa semana. "Hora de sair" – diz a revista, sobre foto de Rousseff. Repetindo a mesma velha conversa de "má gestão da economia", a revista exigiu a deposição de governante que recebeu mandato incontestável numa eleição livre e justa há apenas 15 meses.
A mídia e a elite brasileira seguem obedientemente o mesmo script. Como antes os presidentes Vargas, Quadros e Goulart, se Dilma Rousseff for tirada do governo, as petroleiras estrangeiras terão vencido. E o Brasil terá mais uma vez sido derrotado pelo mesmo golpe.*****
* Shobhan Saxena é jornalista indiano especialista em questões da América Latina. Trabalha em São Paulo, Brasil.