quinta-feira, setembro 29, 2016

O Brasil caiu na clandestinidade


O Brasil dos brutamontes, por Wanderley Guilherme dos Santos

Por Wanderley Guilherme dos Santos
Há quem resvale à beira do ridículo, ou do adesismo, angustiado com o inexistente dilema de apoiar o governo Temer contra o que seria um golpe ainda mais reacionário do PSDB, de Aécio Neves e de Fernando Henrique Cardoso. Estava demorando aparecer o pretexto para a velha cantilena de ser preciso combater a reação por dentro. Em geral, o combate se dá por dentro de bons hotéis, bons empregos e bons salários.
Trapaça entre PMDB, PSDB e assemelhados é assunto de estrito interesse dos salteadores, que só discordam sobre qual o melhor caminho para espoliar economicamente os assalariados e manter os líderes populares indefinidamente afastados da competição pelo governo. Imaginar que os arrufos entre eles expressam pudores democráticos ou é autoengano ou tentativa de empulhar a boa fé dos democratas. Judas! Judas! Judas!
O Brasil caiu na clandestinidade e a disputa por poder não tem limites, nem constitucionais, nem de protocolos de acordos, nem de projetos administrativos. Os bocados de poder são apropriados e mantidos aos berros, enquanto outro berrante não prevaleça sobre os bezerros. O Ministro da Justiça distribui filipeta de candidato a vereador, é desautorizado por delegados e fica por isso mesmo; procuradores dão espetáculo de ignorância, afetação e desonestidade intelectual, recebendo aplauso de juízes, estes, defensores da tese fascista de que é democrático normalizar a exceção. Promovem desnecessários espetáculos de prisões preventivas, algumas talvez justas, para acobertar arbitrariedades sem conta convertidas em técnica de chantagem. Ministros do Supremo agridem colegas pelos jornais, algo que só faziam durante as sessões da Corte. Tudo diariamente registrado nos jornais; não há pudor nem temor de reação. Ninguém da direita reage a ninguém da direita, ainda não entenderam?
Os brutamontes atuais, no Executivo, Legislativo e Judiciário só entendem a linguagem da brutalidade, o resto é lantejoula. Os ativistas da reação precisam sentir medo. Tergiversar é subterfúgio de colaboradores.
http://jornalggn.com.br/noticia/o-brasil-dos-brutamontes-por-wanderley-guilherme-dos-santos

sábado, setembro 03, 2016

EDITORIAL – UM GOLPE COM SANGUE NOS OLHOS

O que é “baderna” diante de um complô de corruptos, grandes instituições financeiras, indústrias e mercados internacionais capazes de derrubar uma democracia? E que massa é essa de “soldados da arruaça” ou “fanáticos da violência” como diz a “Folha de S.Paulo” que, depois de apoiar o golpe – esta sim a violência superlativa – se vitimiza de forma patética ao ter sua fachada pichada por manifestantes?
Por Flávia Martinelli, para os Jornalistas Livres
Começou com sangue nos olhos. Um globo ocular dilacerado, cego e, por uma dessas ironias amaldiçoadas, esquerdo. Deborah Fabri, a estudante de 19 anos atingida por estilhaços de bala na primeira manifestação depois do golpe, foi perfurada em muito mais do que em seu direito de se manifestar. Figura de linguagem já não cabe mais na retórica da repressão inaugurada pelo golpista.
Houve também uma câmera fotográfica destroçada. A quantidade pedaços quebrados denuncia a ira do arremesso. E, ainda, centenas de olhos inflamados por spray de pimenta. Choro de gás e de inconformidade. “Mão na cabeça e cara virada pro muro, filho da puta! Olha pro chão, vândalo do caralho!”, é a clássica ordem de prisão policial da tropa de Geraldo Alckmin. E não dá para esquecer do olhar dos refletores do poder.
Lentes de TV estão seletivas. Só registram o vidro do caixa eletrônico quebrado. O noticiário da Globo adora um quebra-quebra. Os editoriais, espaços para a defesa do ponto de vista dos jornais, pedem mais repressão. A Folha e o Estado de S.Paulo tipificaram os manifestantes por um único grupo de meia dúzia de queimadores de lixo, pneus e quebradores de vidraças bancárias. Justificam a porrada, incutem medo na classe média, querem medidas mais duras para conter quem protesta.
O presidente golpista atendeu no mesmo dia. Temer autorizou as Forças Armadas a atuarem na Avenida Paulista no domingo (04/09) marcado para inúmeras manifestações. A “garantia da lei e da ordem” tem como desculpa a passagem da tocha olímpica no local. O governo do Estado gostou. Emitiu nota avisando que protesto não pode, não. Estão todos de olho, nas palavras dos jornais, nos “vândalos”, “arruaceiros”, “milicianos”, “fascistas”, “criminosos”, e, claro, “baderneiros”, definição preferida dos apoiadores do golpe.
Mas o que é “baderna” diante de um complô de corruptos, grandes instituições financeiras, indústrias e mercados internacionais capazes de derrubar uma democracia? E que massa é essa de “soldados da arruaça” ou “fanáticos da violência” como diz a “Folha de S.Paulo” que, depois de apoiar o golpe – esta sim a violência superlativa – se vitimiza de forma patética ao ter sua fachada pichada por manifestantes?
Os repórteres de gabinete não viram, por exemplo, que entre os incendiários de lixo havia um pai de família de 54 anos, professor da rede pública, puto por ter seu voto roubado. Se ele botou fogo para fazer barricada contra a tropa de choque, é miliciano e ponto final. E dá-lhe bomba, diz o jornal. E bomba na cara, age a PM.
“Nos últimos dias, eu testemunhei policiais fazendo mira na cabeça de manifestante”, diz a vídeorrepórter Kátia Passos que, muito antes de ser Jornalista Livre, há um ano, é mãe de uma estudante secundarista e registra praticamente todos os protestos de estudantes em São Paulo. “Nesses três últimos atos não teve conversa. Eu sempre falo com os comandantes como jornalista, ouço o outro lado. Não consegui trocar uma palavra. Eles se recusam a negociar.”
Kátia reconheceu todas as cinco forças da polícia nas manifestações: Tática, Tropa de Choque, helicóptero, cavalaria e Polícia Militar. “Não via esse esquema de repressão desde o massacre de 2013, quando os policiais perderam completamente o controle e saíram atirando a esmo. A polícia não está na rua para dispersar, mas para encurralar.”
No dia do golpe, (31/08), havia mais de mil policiais em ação na manifestação. Num trecho da rua da Consolação, sem saídas laterais, eles passaram a comprimir os manifestantes, cercando o grupo num círculo. “Bombas foram lançadas no meio da passeata. A única maneira de escapar era passar pelos cordões policiais com risco de levar tiro de borracha à queima-roupa”, lembra o Jornalista Livre Adolfo Várzea.
No dia seguinte, Lucas Porto, repórter, fotógrafo, rotineiro cinegrafista de transmissões ao vivo das manifestações do Jornalistas Livres chegou a ser, literalmente, caçado por uma matilha de oficiais. Lucas sabe que sempre esteve marcado. Mas dessa vez, o grupo de policiais não se contentou de correr em seu encalço. Lucas ganhou uma bomba exclusiva, só pra ele, numa calçada praticamente vazia. Só não foi apanhado pelos PMs porque outro Jornalista Livre, Caco Ishak, se colocou diante dos policiais. Caco foi atropelado por uma moto da tropa na calçada, derrubado no chão, imobilizado e levado para a delegacia. Só saiu de lá depois das 4 da manhã.
O parâmetro da violência policial deixa claro a que veio o golpe. É a opinião dos fotógrafos Christian Braga e de Sato do Brasil, ambos Jornalistas Livres. Christian vê uma escalada crescente de violência nesses últimos dias. “Tá punk, sim. E tem bala de borracha pra caramba, os caras nem pensam antes de atirar.” Sato estava próximo ao prédio da Folha de S.Paulo na última quarta-feira (31/08), quando os manifestantes picharam o portão blindado da entrada e jogaram pedras na fachada no jornal.
“Vi de longe quebrarem a câmera do fotógrafo ali. Ele estava sentado com as costas na parede. O policial simplesmente tirou o capacete da cabeça dele, arrancou a câmera, jogou no chão e pisou no equipamento.” Sato deu de cara com um PM e avisou: ‘Sou imprensa, sou imprensa’. Ele respondeu: ‘Foda-se, sai daqui! Quer tomar tiro na cara?’”. De fato. Àquela altura, a estudante Deborah já havia perdido a visão. Não era força de expressão. O golpe quer tirar sangue dos nossos olhos.
Vídeo e foto: Sato do Brasil / Jornalistas Livres