terça-feira, fevereiro 28, 2012

Os EUA não têm imprensa e televisão independentes. Tem prostitutas midiáticas [4] pagas pelas mentiras que proferem. O Governo dos EUA, na prossecução dos seus fins imorais, obteve o estatuto do governo mais corrupto da história da humanidade. E, no entanto, Obama discursa como se Washington fosse a fonte da moral do homem.

GOVERNO E MÍDIA NOS EUA AGEM PARA SILENCIAR OS CRÍTICOS


“Em 2010, o FBI invadiu a casa de ativistas pela paz em vários estados e apreendeu bens pessoais, no que chamou de “investigação de atividades relacionadas com o apoio ao terrorismo” (e tendo orquestrado falsos “grupos terroristas”).

Por Paul Craig Roberts, estadunidense ex-editor e colunista do “Wall Street Journal”.

“SILENCIAR OS CRÍTICOS“

Os que protestavam contra a guerra foram intimados a depor perante um júri, enquanto a acusação fabricava o argumento de que a oposição às guerras de agressão de Washington representa apoiar e encobrir terroristas. O objetivo dessas buscas e intimações era refrear e desmobilizar o movimento antiguerra.
Na semana passada, de uma assentada, os últimos dois críticos do imperialismo de Washington/Tel Aviv foram eliminados dos grandes meios de comunicação social. O popular programa de Andrew Napolitano, “Freedom Watch”, foi cancelado pelo canal Fox, e Pat Buchanan foi despedido da MSNBC. Ambos especialistas tinham muitos espectadores e eram apreciados por falarem com franqueza.

Muitos suspeitam de que Israel usou a sua influência junto dos anunciantes da TV para silenciar os que criticam os esforços do governo israelita para levar Washington para a guerra com o Irã.

A questão é que a voz dos grandes meios de comunicação é agora uniforme. Os norte-americanos ouvem uma voz, uma mensagem, e a mensagem é propaganda. A dissidência é tolerada apenas em assuntos como, por exemplo, saber se os cuidados de saúde a cargo dos empregadores deverão incluir contraceptivos. Os direitos constitucionais foram substituídos por direitos a preservativos grátis.

Os média [mídia] ocidentais demonizam aqueles a quem Washington aponta o dedo. As mentiras chovem para justificar a agressão de Washington: os Talibãs são misturados com a Al-Qaeda, Sadam Hussein tem armas de destruição massiva, Kadhafi é um terrorista e, ainda pior, dava Viagra aos seus soldados para que violassem as mulheres líbias.

O Presidente Obama e membros do Congresso, ao lado de Tel Aviv, continuam a afirmar que o Irã constroi uma arma nuclear, apesar de terem sido publicamente desmentidos pelo Secretário de Estado da Defesa dos EUA, Leon Panetta, e pelo relatório dos Serviços Secretos da CIA. De acordo com relatórios noticiosos, o chefe do Pentágono, Leon Panetta, disse aos membros da Câmara dos Representantes, em 16 de fevereiro, que “Teerã não tomou uma decisão quanto a prosseguir com o desenvolvimento de uma arma nuclear”.

No entanto, em Washington, os fatos não contam. Apenas os interesses materiais de poderosos grupos de interesse têm importância.

Neste momento, o “ministério da verdade [1] norte-americano divide o seu tempo entre mentiras relativas ao Irã e à Síria. Houve, recentemente, algumas explosões na longínqua Tailândia e o Irã foi responsabilizado por isso. Em outubro passado, o FBI anunciou a descoberta de uma conspiração iraniana para pagar a um vendedor de carros usados mexicano que teria contratado traficantes de droga mexicanos para matar o embaixador da Arábia Saudita nos EUA.

O imbecil que falava pela Casa Branca afirmou acreditar nessa inacreditável “conspiração” e declarou ter “fortes evidências”, mas nenhuma foi divulgada. O objetivo do anúncio dessa conspiração foi justificar as sanções de Obama, que representam um embargo (um ato de guerra) contra o Irã pelo desenvolvimento de energia atômica.

Como um dos signatários do Tratado de Não-proliferação Nuclear, o Irã tem o direito de desenvolver energia nuclear. Os inspetores daAgência Internacional de Energia Atômica (AIEA) estão, permanentemente, no Irã e nunca reportaram qualquer desvio de material nuclear para um programa de armas.

Por outras palavras, de acordo com os relatórios da AIEA, o relatório dos Serviços Secretos e o atual Secretário de Estado da Defesa, não há evidência de que o Irã tenha armas nucleares ou de que esteja a fabricá-las. No entanto, Obama impôs sanções ao Irã quando a própria CIA e o seu próprio Secretário de Estado da Defesa, em simultâneo com a AIEA, reportaram que não existe base para as sanções.

A ideia de que os EUA são uma democracia, não tendo, em absoluto, uma imprensa que funcione como um observador atento, é risível. Mas os média [da mídia] não estão a rir. Estão mentindo. Tal como o Governo, cada vez que os grandes meios de comunicação abrem a boca ou escrevem uma palavra, estão a mentir. De fato, os grandes senhores corporativos pagam aos seus empregados para mentir. É esse o seu trabalho. Se disserem a verdade, passam à história, como foi o caso de Buchanan e Napolitano e Helen Thomas.

Rebelde sírio

O “ministério da verdade” chama “manifestantes pacíficos brutalizados pelo exército de Assad” ao que são, na verdade, rebeldes armados e financiados por Washington. Washington fomentou uma guerra civil. Reclama a intenção de “salvar o povo sírio, vítima de opressão e maus-tratos de Assad”, tanto quanto “salvou o povo Líbio, vítima de opressão e maus-tratos de Kadhafi”. Hoje, a Líbia “libertada” é uma imagem do seu passado, aterrorizada por milícias em confronto. Graças a Obama, mais um país foi destruído.

Os relatórios de atrocidades cometidas contra civis sírios pelo exército poderão ser verdadeiros, mas provêm dos rebeldes que querem a intervenção do Ocidente para subirem ao poder. Além disso, em que diferem essas baixas civis das infligidas à civis no Bahrein pelo seu governo, apoiado pelos EUA, e cujo exército foi reforçado com tropas da Arábia Saudita? Não se ouvem protestos na imprensa ocidental quando Washington fecha os olhos às atrocidades cometidas pelos seus estados fantoches.

Em que diferem as atrocidades sírias, se forem reais, das atrocidades de Washington no Afeganistão, no Iraque, no Paquistão, no Iêmen, na Líbia, na Somália, em Abu Ghraib, na prisão de Guantánamo, e em prisões secretas da CIA? Porque se mantém o “ministério da verdade” norte-americano em silêncio em relação a essas violações massivas dos direitos humanos e sem precedentes?

Recordem-se, também, os relatórios das atrocidades sérvias no Kosovo que Washington e a Alemanha usaram para justificar o bombardeamento de civis sérvios pela NATO e EUA, incluindo o consulado chinês, considerado outro dano colateral.

Treze anos mais tarde, um destacado programa de TV alemão revelou que as fotografias que despoletaram a campanha de atrocidades “foram mal interpretadas” e “não eram fotografias de atrocidades cometidas por sérvios”, mas de “separatistas albaneses mortos num tiroteio entre albaneses e sérvios”. As baixas sérvias não foram reveladas.

O problema no conhecimento da verdade é que os ocidentais da mídia mentem continuamente. Nas raras instâncias em que as mentiras são corrigidas, isso acontece sempre muito depois dos acontecimentos terem tido lugar e, portanto, os crimes permitidos pela mídia já estão consumados.

Washington pôs a Síria em causa perante os seus fantoches da Liga Árabe, com o objetivo de isolar perante os seus congêneres, para melhor poder atacá-la. Assad evitou que Washington pusesse a Síria no caminho da destruição quando marcou um referendo nacional por uma nova constituição que possa alargar a perspectiva de poder para além do Partido Baath (o partido de Assad).[O referendo foi realizado ontem, 26].

Poderíamos pensar que, se Washington e o seu ministério da verdaderealmente quisessem a democracia na Síria, Washington apoiaria esse gesto de boa vontade por parte do partido do poder e aprovaria o referendo. Mas Washington não quer um estado democrático. Quer um estado fantoche.

A sua resposta é de que o covarde Assad enganou Washington dando passos em direção à democracia na Síria antes que Washington conseguisse esmagá-la e instalar um fantoche. Eis a resposta de Obama às medidas de Assad pela democracia: “É na verdade risível; é gozar com a revolução síria”, disse o porta-voz da Casa Branca Jay Carney a bordo do “Air Force One”.

Obama, os neoconservadores e Tel Aviv estão realmente contrariados. Se Washington e Tel Aviv conseguirem descobrir como contornar a Rússia e a China e derrubar Assad, irão julgá-lo como criminoso de guerra por propor um referendo democrático.

Bashar al-Assad

Assad era oftalmologista na Inglaterra até que o seu pai morreu e ele foi chamado para chefiar o conturbado governo sírio. Washington e Tel Aviv demonizaram Assad por recusar ser seu fantoche.

Outro ponto nevrálgico é a base naval russa em Tartus. Em Washington, estão desesperados para expulsar os russos da sua única base no Mediterrâneo, para fazer deste um lago norte-americano. Washington, inculcada com visões neoconservadoras de domínio mundial, quer o seu próprio mare nostrum [2].

base naval russa em Tartus

Se a União Soviética ainda existisse, os planos de Washington para Tartus seriam suicidas. Mas a Rússia é política e militarmente mais fraca que a União Soviética. Washington infiltrou-se na Rússia com organizações não-governamentais que trabalham contra os interesses da Rússia e irão perturbar as próximas eleições. Além disso, as “revoluções coloridas” [3] financiadas por Washington fizeram, do que eram partes da antiga União Soviética, estados fantoches de Washington. Washington não espera que a Rússia, esvaziada de ideologia comunista, prima o botão nuclear. Desse modo, a Rússia está lá para tirar proveito.

A China representa um problema mais difícil. O plano de Washington é cortar-lhe o acesso a fontes independentes de energia. O investimento chinês em petróleo no leste da Líbia é a razão pela qual Kadhafi foi derrubado e o petróleo é uma das razões fundamentais por que Washington aponta agora para o Irã. A China tem grandes investimentos em petróleo no Irã e vai buscar 20% do seu petróleo no Irã. Vedar-lhe esse acesso, ou converter o Irã num estado fantoche de Washington, ameaça 20% da economia chinesa.

A Rússia e a China levam tempo a aprender. No entanto, quando Washington e os seus fantoches na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) fizeram um uso abusivo da resolução daOrganizações das Nações Unidas (ONU) relativamente à zona de exclusão área na Líbia, infringindo-a e transformando-a numa agressão militar contra as forças armadas líbias, que tinham todo o direito de reprimir uma rebelião apoiada pela CIA, a Rússia e a China finalmente perceberam que não podem confiar em Washington.

Desta vez, a Rússia e a China não caíram na armadilha de Washington. O seu veto no Conselho de Segurança da ONU impediu ataque militar à Síria. Agora, Washington e Tel Aviv (entre esses dois, nem sempre é claro quem é o fantoche e quem o manipula) têm de decidir se irão prosseguir, face à oposição russa e chinesa.

Os riscos para Washington multiplicaram-se. Se Washington prosseguir, a mensagem que é transmitida à Rússia e à China é que, a seguir ao Irã, chegará a sua vez. Portanto, a Rússia e a China, ambas dispondo de armas nucleares, provavelmente irão pôr o pé na linha traçada sobre o Irã. Se os loucos militaristas em Washington e Tel Aviv, com a fúria arrogante que lhes corre forte nas veias, ignorarem a oposição russa e chinesa, o risco de confronto perigoso aumenta.

Por que razão os da mídia norte-americana não questionam esses riscos? Vale a pena rebentar o planeta para impedir o Irã de ter um programa de energia nuclear ou mesmo uma arma nuclear? Pensará Washington que a China ignora que aquela [estratégia dos EUA] aponta para as suas fontes de energia? Pensará que a Rússia ignora que está a ser cercada de bases militares hostis?

Que interesses estão sendo servidos pelas guerras infinitas de Washington, que custam tantos trilhões de dólares? Certamente, não os interesses de 50 milhões de norte-americanos que não têm acesso a cuidados de saúde, nem as 1.500.000 crianças sem abrigo, que vivem em carros, quartos de motéis abandonados, cidades de acampamentos e coletores de águas dos temporais no subsolo de Las Vegas, enquanto enormes somas de dinheiros públicos são usados para resgatar bancos e esbanjados em guerras pela hegemonia mundial.

Os EUA não têm imprensa e televisão independentes. Tem prostitutas midiáticas [4] pagas pelas mentiras que proferem. O Governo dos EUA, na prossecução dos seus fins imorais, obteve o estatuto do governo mais corrupto da história da humanidade. E, no entanto, Obama discursa como se Washington fosse a fonte da moral do homem.

O Governo dos EUA não representa os norte-americanos, representa uns poucos interesses especiais e um poder estrangeiro [Israel]. Os cidadãos dos EUA não contam, e certamente não contam os do Afeganistão, Iraque, Líbia, Somália, Iêmen e Paquistão. Washington encara a verdade, a justiça e a misericórdia como valores risíveis. O dinheiro, o poder, a hegemonia, são tudo o que conta para Washington, a cidade sobre a colina, a luz das nações, o exemplo para o mundo.”

NOTAS DA TRADUÇÃO:

[1] Trata-se de um dos ministérios do governo imaginado por George Orwell em 1984, que se ocupa de fabricar a verdade histórica conforme as conveniências políticas do momento.
[2] Os Romanos chamavam Mare Nostrum ao Mediterrâneo.
[3] “Revoluções coloridas”: muitos meios de comunicação social têm assim designado uma série de manifestações políticas no que foi território da URSS, depois CEI, supostamente contra governos e líderes “tiranos”, acusados de serem “ditadores” etc., desde começos da década de 2000.
[4] No original: “presstitutes”

FONTE: escrito por Paul Craig Roberts, estadunidense, economista e cronista. Já foi editor e colunista do “Wall Street Journal”. Transcrito no site português “O Diário.Info” e no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=176512&id_secao=9). [Título, imagens do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

domingo, fevereiro 26, 2012

Somos Todos Anonymous

Somos Anonymous. Somos legião. Estamos em todos os lugares e em qualquer lugar. Somos gay no Texas, negro nos anos 1950s em Selma, separatista basco na Espanha, curdo no Iraque e na Síria, anarquista na França, palestino em Israel, blogueiro dissidente na China, cigano na Polônia, inuit em Nunavut, ativista hacker na Grã-Bretanha, mulher sozinha num beco às 2h da manhã, agricultor sem terra, ocupante no Parque Zuccotti Park, membro de gangue na favela e no gueto, um carinha sentado sozinho num bar, um manifestante no Egito, um menino-soldado na Somália, um estudante infeliz afogado em dívidas, uma família despejada, e também somos você, claro.

Somos as minorias exploradas, marginalizadas e oprimidas que sentem no coração queimar o fogo da revolta e levantam-se para resistir e mudar o status quo. Somos cada um e todos os excluídos e roubados que acordaram para ver que, sim, cada um tem importância e merece mais da vida. Somos todas as maiorias que têm de calar e ouvir a mensagem da suficiência que nos é impingida no palco global. Somos cada movimento e cada rebelião que canaliza a própria energia para agir. Somos o medo paralisante de que tudo se repita, os pensamentos cimerianos (obscuros, escuros, infelizes, sombrios, nebulosos, frios, soturnos, depressivos, desolados, desconsolados, assustadores, apavorantes, fantasmagóricos [sobretudo no inglês da Escócia], elegíaco, funéreo, deus-nos-livre, lúgubre, miserável, mórbido, plutoniano, sepulcral, solene, sombrio, pálido, tenebrífico, tenebroso, o amaldiçoado rugido que mantém despertos, à noite, insones, os donos do poder. Somos a espada que pende sobre a cabeça dos tiranos – isso é Anonymous.

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Crise síria: uma visão de Damasco

22/2/2012, Alexey Pilko, Ria Novosti, Moscou
http://en.rian.ru/analysis/20120222/171457345.html

Alexey Pilko
é professor associado na Faculdade de Política Mundial
da Universidade Estatal de Moscou

Não seria exagero dizer que a crise síria tornou-se a questão internacional mais importante de hoje. Mudanças dramáticas atingem vasta região na qual se cruzam os interesses de muitos países, dentre outros a Rússia, os EUA, a China, os países da União Europeia. A temperatura não para de subir no Oriente Médio, já próxima do ponto de ebulição. Foi interessante nesse quadro, em meio ao nevoeiro que a imprensa global só faz adensar, com matérias fortemente opinativas e raramente colhidas de fontes primárias, ouvir diretamente de funcionários do governo, com quem conversei recentemente, a versão de Damasco sobre os eventos na Síria.

A maior parte da imprensa mundial pinta o regime sírio como cada vez mais isolado na comunidade internacional, já praticamente sem nada a esperar além do continuado apoio da Rússia (apoio que, segundo a mesma narrativa, seria motivado exclusivamente por interesses comerciais). Pois o governo sírio entende que a situação não é, nem de longe, tão ameaçadora.

Lembram que o vice-ministro chinês de Relações Exteriores Zhai Jun, em recente visita à Síria, deixou bem claro que Pequim, como Moscou, não planeja abandonar o regime do presidente Bashar al-Assad. Também o Irã, submetido a violentas pressões internacionais, vê a Síria como aliado importante no mundo árabe e, portanto, está ativamente apoiando o regime. O Irã, já por duas vezes, manifestou simbolicamente a extensão de seu apoio, ao enviar navios de guerra para o Mediterrâneo.

Importante, a observar, que o Egito, que não dá sinais oficiais de muita simpatia com o governo sírio (e até chamou de volta seu embaixador em Damasco), não impediu a passagem dos navios de guerra iranianos pelo Canal de Suez, nem na primeira, nem na segunda viagem. Assim sendo, é prematuro afirmar que o Egito, o país árabe de maior população, já tenha abandonado completamente a Síria. Quanto a isso, é importante separar o que diz o governo egípcio nas declarações oficiais, e o que efetivamente está fazendo.

Além do mais, o governo sírio diz, em conversas confidenciais, que a Síria está construindo um relacionamento especial com o Iraque – cujo governo vê com simpatia os esforços sírios para estabilizar a situação doméstica. É bastante provável que, com a retirada dos soldados norte-americanos do Iraque, o Irã, a Síria e o Iraque venham, em algum momento, a constituir no Oriente Médio uma aliança natural, tripartite, suficientemente solta para que não imobilize os aliados. Dado que a maioria dos iraquianos são xiitas, e dada a crescente influência do Irã no Iraque ao longo dos últimos anos, esse cenário nada tem de impossível ou improvável. E Omã também tem garantido algum apoio aos sírios.

Funcionários do governo sírio, entre os quais a vice-presidenta Najah al-Attar e o vice-ministro de Relações Exteriores Faisal Mekdad, com os quais se reuniram recentemente alguns professores russos (entre os quais o autor desse artigo), mencionam Turquia, Qatar e Israel entre os mais ativos instigadores da pressão internacional sobre a Síria, além dos EUA, que se permanece por trás desses.

No momento, um dos principais tópicos de discussão em Damasco é o fator EUA, na crise síria (e, em menor extensão, o fator Israel). Os sírios destacam que o principal alvo dos EUA e Israel não é a Síria, mas o Irã; e que os EUA estão interessados em desestabilizar a Síria exclusivamente para privar Teerã de um “contraponto” no Oriente Médio, no caso de operação militar contra o Irã. Em geral, a elite política síria está convencida de que há uma conspiração internacional contra Damasco.

O papel de Israel nos eventos sírios é questão sensível para os sírios, considerando que Israel continua a ocupar as colinas do Golan. De fato, até os mais altos funcionários do governo sírio dizem ter provas de que a Fraternidade Muçulmana Síria tem conexões diretas com o governo israelense.

Sobre o papel da oposição síria, os funcionários sírios chamam atenção para seu caráter heterogêneo. Não é verdade, nem de longe, que todos os que fazem oposição a Assad estejam armados. Ao contrário disso, parte significativa da oposição a Assad também se opõe a qualquer tipo de intervenção estrangeira, seja militar seja sob a forma de sanções. As reformas planejadas pelo governo sírio visam a conquistar esses opositores políticos, pacíficos e não armados. As reformas incluem um referendo sobre uma nova constituição que acabará com o monopólio do Partido Ba’ath e imporá limites ao mandato do presidente.

Muitos dos que falam em oposição a Assad (sobretudo os que falam de fora da Síria), fortemente apoiados por alguns estados ocidentais liderados pelos EUA, insistem em que teria acabado o prazo para encontrar solução pacífica para a Síria; e que a única alternativa restante seria a força. Ao contrário disso, o governo sírio, apoiado por outros estados que também conhecem bem o contexto político no país, e também por uma parte da oposição política a Assad dentro do país, diz que a janela para o diálogo ainda não está fechada. Como os apoiadores estrangeiros da oposição síria, as autoridades de Damasco querem pôr fim aos sangrentos combates no país. Resta saber como. O governo sírio acredita que, se a nova constituição for apoiada em referendo popular, e se as eleições parlamentares previstas para maio forem bem-sucedidas, estarão assegurados os pré-requisitos para estabilizar o país.

O governo sírio investe grandes esperanças na reforma constitucional. O ministro da Informação Adnan Mahmoud disse que “será um exemplo a seguir, para toda a região”. A julgar por alguns itens da reforma da Constituição, divulgados pela imprensa, não há dúvidas de que pode ter razão, pelo menos enquanto houver na região estados autoritários teocráticos como a Arábia Saudita. Para Riad, reformas como as que estão sendo propostas na Síria são absolutamente impensáveis.

Contudo, não se deve esquecer que há radicais armados na oposição síria – até os EUA já o reconheceram oficialmente – e parecem empenhados em lutar até a morte, tendo como alvos, em sua campanha de terror, os que apóiam o regime de Assad. A vice-presidenta Al-Attar observou que o contrabando de armas vindas da Turquia e do Líbano, e o próprio papel da Turquia na atual crise, surpreenderam os líderes sírios: “Não esperávamos que a Turquia viesse a ter esse papel no desenrolar dos eventos”, disse ela.

Interessante também que as ações dos comandantes da oposição também tenham surpreendido Damasco. Mekdad disse que “inicialmente, nem os mais altos funcionários do governo sírio entenderam completamente a natureza dos eventos”. Os políticos sírios não esperavam que as manifestações durassem tanto tempo e não tomaram todas as medidas necessárias para neutralizar, logo na fase inicial, os potenciais efeitos negativos”.

É claro que a situação na Síria é complexa. Desenvolvimentos futuros dependerão da habilidade do governo para estabelecer um diálogo civil no país; para fazer avançar as reformas; e impedir que a ala armada da população venha a conquistar o apoio da população. Damasco merece ser ajudada nesses esforços. A paz na Síria depende também de o mundo entender que a realidade em campo naquele país não é necessariamente tão simples como faz crer parte significativa do noticiário que a mídia divulga.

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UAU! WikiLeaks faz vazamento monstro!







Muito além da história de um menino e um cavalo... A história jamais contada – nem antes, nem hoje – da guerra



Ver também

17/3/2011, "Como os anos '80s programaram os EUA (e o mundo) para a guerra", David Sirota, Salon




Bem antes do centenário, em 2014, do início da “guerra para pôr fim a todas as guerras”, a I Guerra Mundial já parece aparecer por todos os lados, no dia a dia dos EUA. “Cavalo de Guerra”, de Stephen Spielberg estreou em 2.376 salas de cinema e concorre em seis categorias do Oscar; ao mesmo tempo em que a peça de teatro em que se baseou o filme prossegue arrastando multidões para filas intermináveis em New York e uma segunda montagem está em fase final de produção para viajar pelo país.

Além disso, um seriado de televisão, de alta audiência nos últimos dois meses, “Downton Abbey”[1], acaba de encerrar a temporada com um beijo inesperado. Em sete episódios, aquele mundo de sobe-desce-escadarias e amor proibido e confusões dinásticas levou os norte-americanos para bem longe, desde o meio da guerra, em 1916, até depois do Armistício, com a própria venerável abadia que dá título à serie convertida em hospital para soldados feridos convalescentes. Outros seriados sobre a guerra 1914-1918 estão a caminho, entre eles uma minissérie do canal HBO-BBC baseada nos quatro romances de Ford Madox Ford, “Parade’s End”; e uma adaptação para a televisão do romance “Birdsong” de Sebastian Faulks, patrocinada pela rede NBC.

De fato, não há aí qualquer novidade. Cineastas e romancistas são há muito tempo fascinados pelo modo como uma Europa pré-1914, solar, otimista, povoada de imperadores com capacetes emplumados e desfiles de belos hussardos transformou-se, tão rapidamente, em campo de esquartejamento em massa em escala jamais vista. E há boas razões para examinar atenta e cuidadosamente a I Guerra Mundial.

Naquela guerra morreram cerca de 9 milhões de soldados e número ainda maior de civis. Foi a fagulha que incendiou o genocídio dos armênios e a Revolução Russa, deixou em ruínas fumegantes áreas imensas da Europa e reformatou o mundo para pior, em todos os sentidos imagináveis – sobretudo porque deixou o campo semeado para uma segunda guerra global ainda mais mortal.

Há boas razões pelas quais os norte-americanos sejamos particularmente acossados pelo que aconteceu naqueles anos ao país que aparece em todos aqueles filmes e seriados de televisão: a Grã-Bretanha. Em 1914, a Grã-Bretanha estava no auge da glória, superpotência global indiscutível, que comandava o maior império que o mundo jamais conhecera. Quatro anos e meio depois, a dívida interna já estava multiplicada por dez, mais de 720 mil soldados britânicos estavam mortos e outras centenas de milhares, feridos e mutilados, muitos sem braços, pernas, olhos, genitais.

A conta pesou particularmente sobre as classes mais educadas que forneceram os jovens tenentes e capitães que comandaram suas tropas para fora das trincheiras, diretamente contra o fogo mortífero das metralhadoras. Para dar um único exemplo assustador, morreram 31% dos homens que se formaram em Oxford em 1913.

“Varridos para longe, numa explosão rubra de ódio”
Pois curiosamente, em todos esses espetáculos de menino e cavalo, cargas épicas de cavalaria, trincheiras enlameadas e amor e separações de tempos de guerra, os autores de “Cavalo de Guerra”, “Downton Abbey” e – não há dúvidas – dos similares que logo estarão aparecendo nas telas de cinema e televisão nos EUA, passam muito ao largo do maior drama moral daqueles anos de conflito, e drama que ainda ecoa hoje, nesses tempos de novas guerras caras e desnecessárias. Todos esses filmes e seriados de televisão deixam fora dos enredos, sempre, parte muito importante dos personagens ativos naquele momento.

A I Guerra Mundial não foi só combate entre exércitos rivais, mas foi também combate duríssimo travado entre os que entendiam que a guerra fosse alguma espécie de cruzada nobre, de um lado; e, de outro, os que só viam, da guerra, o que nela há de absoluta loucura.

Em muitos países as prisões encheram-se de gente que se opunha à guerra. Mais de 500 homens foram presos, nos EUA, naqueles anos, por declararem “objeção de consciência” e recusarem-se a lutar; outros muitos foram presos por se manifestar contra os EUA envolverem-se no conflito. Eugene V. Debs esteve preso, naqueles anos, como líder de um sindicato de ferroviários, mas passou muito mais tempo atrás das grades – mais de dois anos –, por insistir em que os norte-americanos resistissem ao alistamento militar. Condenado por crime de sedição, ainda estava preso na penitenciária federal em Atlanta, em novembro de 1920, quando, muito depois do final da guerra, recebeu quase um milhão de votos, como candidato Socialista à presidência dos EUA.

Um protesto nos EUA contra a guerra converteu-se em tragédia quando, em 1917, a polícia de Oklahoma prendeu cerca de 500 pessoas que se manifestavam contra o alistamento militar obrigatório[2] – brancos, negros e nativos norte-americanos –, participando do que chamaram de Rebelião do Milho Verde [orig. “Green Corn Rebellion”], contra “guerra dos ricos, que querem que os pobres lutem.” Houve três mortos e muitos feridos.

Também na Alemanha e na Rússia as prisões encheram-se de militantes que se opunham à guerra. Mas o país onde se constituiu o maior e mais bem organizado movimento antiguerra – e aqui, os criadores de filmes e seriados de televisão ‘de época’ e perucas, tão ardentemente amados pelo público norte-americano anglófilo, perdem excelente e crucial oportunidade – foi a Grã-Bretanha.

A principal razão pela qual a oposição à guerra conquistou tantos defensores era bem simples: em 1914, a ilha-nação ainda não havia sido atacada. O invasor alemão marchara contra a França e contra a Bélgica, mas a Alemanha esperava que a Grã-Bretanha se mantivesse neutra. Muitos britânicos também esperavam. Quando a Grã-Bretanha entrou na guerra, sob o argumento de que os alemães teriam violado a neutralidade dos belgas, uma minoria continuou a repetir que misturar-se em conflitos entre outros países seria desastroso erro.

Keir Hardie foi dos mais destacados opositores à guerra, desde o início. Deputado ao Parlamento e líder sindical, Hardie, aos 21 anos, vivera mais da metade da vida como mineiro de carvão e jamais frequentou qualquer escola. Aprendeu a ler, sozinho, aos 17 anos; e foi dos maiores oradores de seu tempo. Hipnotizava multidões, com sua fala, as sobrancelhas escuras e uma impressionante vasta barba ruiva. Esmagado pelo desespero, ao ver milhões de trabalhadores europeus matando-se entre eles, em vez de se unirem em torno da causa de todos os trabalhadores do mundo, Hardie morreu em 1915, mal entrado nos 50 anos, mas já com as barbas completamente brancas.

Dentre os muitos que muito valentemente levantaram-se contra a febre da guerra, cujos comícios foram muitas vezes violentamente interrompidos pela polícia ou por gangues patrióticas, está a conhecida feminista radical Charlotte Despard. Seu irmão mais jovem, curiosamente, era Marechal de Campo, Sir John French, comandante-em-chefe do Front Ocidental durante o primeiro ano e metade da guerra. Outra família dramaticamente dividida foi o famoso clã Pankhurst, das suffragettes: Sylvia Pankhurst tornou-se opositora feroz do conflito, enquanto sua irmã Christabel sempre foi, desde os primeiros dias, fervorosa patriota batedora de tambor a favor do esforço de guerra. As duas irmãs não só deixaram de falar uma com a outra, como também criaram e mantiveram jornais rivais pelos quais, frequentemente, atacavam a posição antagonista.

O importante jornalista de investigação, Edmund Dene Morel, e o afamado filósofo Bertrand Russell, ambos britânicos, foram dois outros apaixonados militantes antiguerra. “Essa guerra, de tão vasta, é guerra trivial”, Russell escreveu[3]. “Não se vê em jogo nenhum grande princípio; nenhum alto propósito humano, nem de um lado, nem de outro.” Horrorizava-o ver seus concidadãos “Varridos para longe, numa explosão rubra de ódio”.3

Russell escreveu, com notável franqueza, sobre a dificuldade de mover-se contra a corrente da febre nacional a favor da guerra, “quando toda a nação é tomada de violenta excitação coletiva. É necessário esforço tão grande para resistir à voz geral, quanto seria necessário para resistir à fome ou à paixão sexual extremas; e há a mesma sensação, de que se anda contra o instinto.”

Ambos, Russell e Morel passaram seis meses presos, por suas opiniões. Morel foi sentenciado a trabalhos forçados e carregava sacos de juta de 50kg até a oficina da prisão, mal vestido e mal alimentado ao longo do inverno gelado, com as caldeiras da prisão desligadas, por causa do racionamento nacional de carvão.

Mulheres como Violet Tillard também cumpriram penas de prisão. Ela trabalhava num jornal do movimento antiguerra proibido em 1918, e foi presa por recusar-se a revelar onde estavam escondidas as prensas nas quais se produzia o jornal. Outra, dentre as heroínas esquecidas do movimento contra a I Guerra Mundial, foi Emily Hobhouse, que atravessou clandestinamente a Suíça (neutra), até Berlim, esteve com o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, expôs a ele um possível plano de paz, voltou à Inglaterra e tentou repetir a operação com o governo britânico. Foi expulsa por funcionários do Gabinete, taxada de excêntrica. Mas, num conflito no qual morreram 20 milhões de pessoas, Emily Hobhouse foi o único civil que viajou de um lado ao outro da guerra, e voltou, trabalhando pela paz.

Por que os norte-americanos sabemos mais sobre guerra, que sobre paz?

Ao final da guerra, mais de 20 mil homens na Grã-Bretanha haviam desobedecido à ordem de alistamento militar e, por questão de princípio, vários recusaram a alternativa de serviço civil imposta aos que declaravam objeção de consciência contra a guerra (dirigir ambulâncias no front, ou serviço obrigatório na indústria de guerra). Mais de 6.000 deles cumpriram sentença de prisão – até hoje, é o maior número de prisioneiros políticos, em qualquer das ditas grandes democracias ocidentais.

Nada havia de fácil ou simples, nesses processos de resistência. Os que se recusavam a alistar-se eram perseguidos e humilhados (gangues patrióticas os perseguiam com ovos podres pelas ruas), metidos em prisões sob condições duríssimas, e perderam o direito de votar por cinco anos. Mas com o final da guerra, em país devastado que chorava seus mortos e começava a perguntar-se o quê, afinal, poderia justificar aqueles quatro anos de carnificina, muitos começaram a ver sob outra luz os resistentes que sempre se haviam manifestado contra a guerra. Mais de meia dúzia deles chegaram a ser eleitos para a Casa dos Comuns; e o jornalista Morel tornou-se o principal porta-voz do Partido Trabalhista em questões internacionais. 30 anos depois do Armistício, um sindicalista chamado Arthur Creech Jones, que passara dois anos e meio na prisão, por resistir contra a guerra, foi indicado membro do Gabinete britânico.

A bravura desses homens e mulheres que insistiram em dizer o que pensavam sobre uma das maiores questões de seu tempo custou-lhes muito caro: ouviram zombaria, sofreram nas prisões, viveram tragédias familiares, perderam amigos e empregos. E, hoje, continuam esquecidos, num momento em que a resistência contra guerras sem sentido deveria ser objeto de celebração diária. Em vez disso, ainda, quase sempre, tendemos a celebrar os que combatem – vencedores e derrotados –, muito mais do que celebramos os que se opõem sempre a todas as guerras.

Não são só os filmes e seriados de televisão a que assistimos, mas também os monumentos e museus que construímos. Não surpreende que, como o general Omar Bradley disse uma vez, os norte-americanos “sabemos mais sobre guerra, que sobre paz”. Em geral, vemos as guerras como ocasião para heroísmos, e algum heroísmo pode até acontecer. Mas muito maior heroísmo, heroísmo do grande, que tanta falta faz em Washington nessa última década, é obrigar-se a pensar se alguma guerra algum dia fez sentido. Quem queira recolher lições de guerras passadas, que procure. Se procurar, encontrará uma história muito mais profunda a contar, que a história de um menino e um cavalo.


[1] Sobre a novela, ver http://www.imdb.com/title/tt1606375/ [NTs].
[2] Dia 6/4/1917, o presidente Woodrow Wilson, recentemente eleito para um segundo mandato, ao qual concorrera com o slogan “Ele nos manteve longe da guerra”, compareceu a uma sessão conjunto do Congresso dos EUA e pediu que o Congresso aprovasse uma declaração de guerra contra a Alemanha Imperial. O Congresso acedeu; a declaração foi aprovada por 373-50 votos pelos deputados e por 82-6 votos pelos senadores. Pouco mais de um mês depois, dia 18/5/1917, o Congresso aprovou a lei que tornava obrigatório o alistamento militar para todos os jovens em condições de lutar, e agendado para um único dia, 5/6/1917. A Rebelião do Milho Verde aconteceu nos dias 2-3/8/1917 (mais sobre isso em http://en.wikipedia.org/wiki/Green_Corn_Rebellion) [NTs]
[3] RUSSEL, Bertrand, 1916, “An appeal to the intellectuals in war-times”, in Justice in War-Time, apud BUITENHUIS, Peter, 1987, The Great war of words: British, American, and Canadian propaganda, London: UBC Press (em http://goo.gl/BwYir) [NTs]. 

sábado, fevereiro 25, 2012

A Georgia não sai da cabeça deles

27/5/2004, Pepe Escobar, Asia Times Onlinehttp://www.atimes.com/atimes/Front_Page/FE27Aa01.html

NOTA DOS TRADUTORES: Em “Obama anda mesmo cantando o blues?” (23/2/2012, Asia Times Online e em português em http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/pepe-escobar-obama-anda-mesmo-cantando.html), o autor, Pepe Escobar, em artigo sobre Obama, arremedo de bluezeiro-em-chefe, relembra uma série de artigos que publicou em 2004, em tour pela terra do blues, acompanhando George W. Bush, então em campanha pela reeleição. Selecionamos para traduzir um desses artigos, que talvez faça um interessante contraponto à sessão de blues na Casa Branca de Obama: do blues da Georgia, para o blues de Chicago, talvez? Ou: muda o blues, mas os EUA nunca mudam, por mais que se metam a querer changes, changes, changes nos regimes dos outros? Seja como for, lá se vão sete anos, de reeleição em reeleição, e mudança importante, nenhuma, por lá.

Aqui fica essa tradução, como nossa homenagem a Pepe Escobar, o mais importante jornalista brasileiro ativo no planeta, não por acaso jornalista e brasileiro que não tem nenhuma espécie de conexão – além da distância cada vez maior que o separa deles – com os jornalões do Grupo GAFE (Globo-Abril-Folha-Estadão).
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A Georgia não sai da cabeça deles
27/5/2004, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Front_Page/FE27Aa01.html

SAVANNAH, GeorgiaCool, calma, contida em seu charme neoclássico e colonial de muitas árvores, recusando-se a ser reduzida à condição de parque temático do Velho Sul, Savannah é tida, nos círculos das elites europeias, como a mais bela cidade dos EUA. Aqui, no primeiro acampamento na Georgia, a 13ª e última colônia americana, o general William Tecumseh Sherman, ao final da Guerra Civil, ofereceu seus “40 acres e uma mula” a todos os escravos negros libertos. Aqui, Flannery O'Connor escreveu obras primas. Aqui, Forrest Gump sentou-se num filme – num banco em Chippewa Square –, cantarolando que “a vida é como caixa de chocolates: você nunca sabe o que vai achar” (contem essa aos neoconservadores em Washington). E em duas semanas, o grande circo da cúpula do Grupo dos 8 (G8) das nações mais industrializadas aportará em Savannah com todo seu poder.

Savannah está terrivelmente preocupada. A reunião propriamente dita acontecerá a 120km daqui, em local ermo e isolado, na Sea Island, mas o grosso do exército de lambe-botas, diplomatas, jornalistas e da segurança estará circulando entre as magníficas mansões e praças manicuradas de Savannah. Dan Flynn, chefe de Polícia, não quer que a sóbria e pitoresca cidade de 130 mil habitantes seja convertida em “zona de guerra”: haverá protestos no Forsyth Park, copiado da Place de la Concorde em Paris e próximo do centro historico. Lojistas locais temerosos estão “exagerando nas reações”, segundo Flynn, e querem fechar todas as lojas e escritórios do centro. Muitos querem fechar logo também o assunto do Iraque. Na pensão da Sra. Wilkes, monumento histórico à culinária do sul, quem entrar ouve a opinião da proprietária, que ela oferece sem ironia: “Dia 30 de junho, devemos declarar vitória, trazer os soldados para casa, aposentar alguns do Pentágono e deixar que o canal Fox News conte ao mundo que vencemos.”

Tarde da noite, nas estradas vicinais no interior da Georgia, a caminho de Dublin, o único negócio que convida a entrar é o negócio da igreja. Não são raros os cartazes de “Apoiamos nossos soldados”. A retórica dos “agentes do mal” do presidente George W Bush encontra amplo eco entre os frequentadores das igrejas. Só uma, tarde da noite, na Highway 80, vê problema em Bush pôr grande parte do mundo num degrau inferior, no plano moral, abaixo dos EUA, convertendo “nossas boas ações” contra a al-Qaeda, numa cruzada moral contra o mundo islâmico.

Savannah é muito intimamente associada à sua base do Exército dos EUA, Fort Stewart. Ali, recentemente, o sargento Camilo Mejia foi julgado numa Corte Marcial e condenado, como desertor – sentença com a qual muitos concordam, em Savannah. Mejia é nicaraguense, portador de green-card (licença para trabalhar nos EUA, para estrangeiros), que se alistou no exército para aprender mais sobre a sociedade norte-americana. A guerra no Iraque horrorizou-o. E ele ofereceu-se para depor no Congresso sobre a tortura de prisioneiros que presenciou em Al Assad, em maio passado, meses antes de eclodir o escândalo de Abu Ghraib. Todd Ensign, diretor do grupo Citizen Soldier [soldado-cidadão], de ativistas antiguerra, que apóia o pessoal militar, está indignado: “Julgaram Camilo por ter-se recusado a voltar ao Iraque, porque não quer torturar gente. E estão julgando o cabo Jeremy Sivits, porque torturou.”

Super-Rangers dentro da Casa (Branca)
A Georgia não sai da cabeça de George W Bush – e não é o canto de Ray Charles. Mês passado, no luxo do Lodge Ritz-Carlton, Reynolds Plantation, a 75 minutos, rumo sul, de Atlanta, Bush posou de superstar para 300 convidados, individualmente os mais poderosos dos EUA, inclusive os donos de terra e empreendedores imobiliários da família Reynolds da Georgia. Os convidados dispensaram os 81 buracos para golfe, um SPA imperial e muita pescaria, canoagem e ski no plácido lago Oconee, para sentar num salão de conferências e ouvir Bush. É o pessoal que paga pelo grosso da multimilionária campanha de reeleição (US$200 milhões até aqui, e aumentando): são conhecidos como Pioneiros [orig. Pioneers] (os que arrecadam mais de $100 mil dólares); Rangers (até $200 mil) e agora também os Super-Rangers (os que até 15 de agosto conseguirem arrecadar $250 mil ou mais).

Pioneiros, Rangers e Super-Rangers são nada mais nada menos que os proprietários virtuais dos EUA, se Bush for reeleito: encarnação de um processo eleitoral totalmente mercantilizado. Vários são recompensados com postos no governo federal. Suas empresas ou multinacionais ganham gordos contratos federais que valem bilhões de dólares e, claro, beneficiam-se de leis ultra camaradas – especialmente sobre energia e poluição.

Segundo o grupo Texans for Public Justice, há, até agora, 630 superdoadores pró-Bush. Quase 20%, do círculo das finanças; 18% são advogados e lobbyistas. Quase 25% estão empregados no governo Bush (dentre os quais 24 embaixadores e dois membros do Gabinete). Em 2002, segundo pesquisas do grupo, mais de $3,5 bilhões em contratos federais foram entregues a 101 empresas: entre elas, havia 123 Pioneiros ou Rangers. Um total de 146 superdoadores de campanha de Bush estiveram envolvidos em escândalos empresariais, ou ajudaram empresas envolvidas em escândalos – no Texas (o escândalo Enron) –, ou em Wall Street, ou relacionados a poluição ou a questões de saúde pública. Os Super-Rangers só foram criados na reunião do Ritz-Carlton, mas já são 25.

Bush já estivera na Georgia, há mais de uma semana, acompanhado do Maquiavel Republicano, Karl Rove. Permaneceram ali por apenas quatro horas, primeiro num condomínio cercado em Atlanta, onde Bush participou de uma recepção nos jardins da casa de Robert Nardelli, presidente executivo da empresa Home Depot; na sequência, Bush foi convidado de honra de um jantar (convite a $25 mil por cabeça; no cardápio, carne, batata e legumes).


Agora, Savannah espera ansiosamente que Bush exponha as linhas de sua “clara estratégia” para o Iraque. Líderes mundiais, inclusive os aliados declarados, como o britânico Tony Blair e o japonês Junichiro Koizumi, e aliados muito relutantes, como Jacques Chirac da França, Gerhard Schroeder da Alemanha e Vladimir Putin da Rússia, que lá estarão com Bush, na Georgia, para o encontro do G8, dias 8-10 de junho, também esperam ansiosíssimos: não estão absolutamente convencidos da clareza da “clara estratégia” segundo a qual o governo Bush insiste em dizer que luta pela democracia no Iraque, ao mesmo tempo em que mantém lá 130 mil soldados entrincheirados que tudo controlam, contra a vontade da absoluta maioria do “povo iraquiano”.

O que Bush dirá aos seus pares, sobre Muqtada al-Sadr? Fontes xiitas na cidade santa de Najaf informam a Asia Times Online que o recentemente caído em desgraça Ahmed Chalabi tentará voltar a Najaf para instalar-se como mediador entre o movimento Sadrista e os EUA. Com a credibilidade abaixo de zero na rua iraquiana, difícil que algum xiita confie nele. Mas Chalabi é operador esperto e confia nas alianças que ligam seu Congresso Nacional Iraquiano e xiitas e curdos.

As fontes em Najaf destacam que, no momento, nenhum xiita pode ser visto como aliado de Washington contra Muqtada. O jogo, portanto, não visa a que os xiitas escolham entre Muqtada e o moderado Grande Aiatolá Ali al-Sistani. Trata-se é de escolher entre Muqtada e o pró-cônsul Paul Bremer.

Bush e o Pentágono simplesmente não podem admitir que os Sadristas já tenham alcançado vitória desse tipo. Seja já mártir ou não – os EUA continuam a procurá-lo “vivo ou morto” –, as forças de Muqtada continuarão lutando até o fim da ocupação. A guerra de resistência contra os EUA, depois da “entrega”, dia 30 de junho, será seguida por alguma espécie de guerra civil para detonar qualquer um que o enviado especial da ONU Lakhdar Brahimi instale como novo pró-cônsul disfarçado. Afinal, no longo prazo, dizem as fontes em Najaf, uma teocracia xiita iraquiana – que não reproduza o modelo Khomeini – é extremamente possível.

Não era exatamente o que o vice-secretário da Defesa e há muito tempo arquiteto da guerra Paul Wolfowitz tinha em mente. Além do mais, Chalabi, homem “deles” (dos neoconservadores), pode revelar-se um Frankenstein. Se não acabar na cadeia, Chalabi com certeza concorrerá às eleições em janeiro próximo, como nacionalista iraquiano, com plataforma de oposição virulenta à ocupação norte-americana.

Sempre pode piorar

Outros membros do G8 perguntarão a Bush: As coisas ainda podem piorar no Iraque? Podem. Abu Ghraib pode ser examinado como mais um efeito perverso da obsessão dos EUA com sexo e pornografia – uma indústria de mais de $10 bilhões anuais – misturada com a proliferação de reality shows, nos quais qualquer idiota tem seus 15 minutos de fama à Andy Warhol, inclusive torturadores amadores.

Sim, pode piorar. Os serviços de inteligência britânicos, franceses, russos e japoneses, todos eles, sabem que a segurança no Iraque é total desastre. O processo de reconstrução foi virtualmente interrompido. O escândalo de superfaturamento pela Halliburton teima em não sumir de cena. E num fascinante cruzamento de cinema e política, o amargo documentário anti-Bush de Michael Moore, “Fahrenheit 9/11” acaba de tornar-se o primeiro documentário, em quase meio século, a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes.

“O senhor lembra de alguns erros que tenha cometido como presidente?” A pergunta foi feita a Bush, em sua última conferência de imprensa, em abril. Miraculosamente, não lhe ocorreu erro algum digno de nota. Na Georgia, Chirac, Schroeder ou Putin podem atrever-se a repetir a mesma pergunta, no privado. Pouco provável que obtenham resposta.

O que nos deixa com Juan Cole, professor de história da universidade de Michigan e dos maiores especialistas em Iraque, nos EUA: “Outro dia, eu disse que achava que Bush estava empurrando a Europa na direção da esquerda, com suas políticas. Acho que também está empurrando o mundo xiita na direção da direita radical. Temo que meus netos ainda estarão pagando pelo torvelinho que George W Bush está semeando na cidade do Imã Hussein [referência ao bombardeio, com F-16s, contra Karbala]. No início de abril, concluí que Bush perdeu o Iraque. Só até agora, já perdeu também todo o mundo muçulmano.”

Daqui a duas semanas, Bush pode já ter perdido também o resto do mundo. Quem sabe Forrest Gump possa ajudar.

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Ocidente, Liga Árabe...‘amigos’ da Síria?

25/2/2012, Igor Siletsky, The Voice of Russia, Moscou
http://english.ruvr.ru/2012_02_25/66875031/

Ver tambémO exército rebelde pulula de agentes da Al-Qaeda - Pepe Escobar, para Russia Today (entrevista transcrita e traduzida)19/2/2012, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2012/02/gentes-da-al-qaeda-pepe-escobar-o.html



Centenas de apoiadores do presidente Bashar al-Assad da Síria manifestaram-se hoje à frente do hotel, na Tunísia, onde foi inaugurada ontem, 6ª-feira, a Conferência “Amigos da Síria” [Friends of Syria, FOS]. Os manifestantes tentaram invadir o hotel, para protestar contra o apoio ocidental à oposição, na Síria. Representantes franceses disseram na Conferência que reconhecem a legitimidade do Conselho Nacional de Transição, como oposição a Assad. O presidente da Tunísia, Moncef Marzouki, sugeriu que seja garantida imunidade ao presidente Assad e família, com garantia de que não serão processados; e pediu que a Rússia lhes garanta asilo político (Moscou e Pequim boicotaram a Conferência). Segundo o ministro das Relações Exteriores da Rússia, assim como já fizeram no caso da Líbia, os autoproclamados “amigos da Síria” estão criando uma coalizão internacional em apoio a um dos partidos envolvidos no conflito sírio. A reportagem é de Igor Siletsky, do jornal The Voice of Russia.

Parte da oposição síria “doméstica” boicotou a conferência na Tunísia. O chamado Comitê de Coordenação Nacional para Mudança Democrática [orig. National Coordination Committee for Democratic Change] não gostou de os organizadores do fórum os terem ignorado e de terem favorecido o Conselho de Transição Nacional, fundado no exterior e mantido por exilados.

Rússia e China também não participam da conferência; declararam que nenhum fórum terá jamais legitimidade para discutir o futuro de um país, se excluir as autoridades legítimas do país cujo futuro se discute. Para o vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Gennady Gatilov, “Discutir a crise na Síria, sem representantes do governo sírio é erro. É claro que os principais atores, o próprio governo sírio, têm de ser ouvidos.”

O grupo “Amigos da Síria” foi instituído pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, depois que Rússia e China vetaram resolução sobre a Síria, na ONU. Um total de 70 países, entre os quais EUA, Grã-Bretanha e países membros da Liga Árabe, apoiaram a iniciativa de Sarkozy. Segundo os organizadores da conferência na Tunísia, o Grupo foi criado para aumentar as pressões políticas e econômicas contra o presidente Bashar al-Assad. No momento, ninguém parece cogitar de intervenção militar, do tipo que se viu contra a Líbia, porque seria difícil de organizar, em primeiro lugar porque não há qualquer mandado da ONU nessa direção; e, em segundo lugar, porque o exército sírio é consideravelmente mais forte em número e armas que o exército líbio, o que criaria dificuldades extras, de consequências imprevisíveis para a região, no caso de a Síria ser invadida por países vizinhos.

Mesmo assim, membros do Conselho de Transição Nacional sírio insistem em ‘convidar’ algum tipo de intervenção externa. Representantes do CTN exigem que os “Amigos da Síria” forneçam armas aos militantes do Exército Síria Livre. Notícias divulgadas pela rede Al Arabiya dizem que o exército da oposição síria está sendo abastecido com armamento leve e equipamento militar que lhe chega do exterior. Grupos armados da oposição a Assad receberam equipamento de comunicação e de visão noturna. Esses suprimentos são enviados do exterior por grupos de exilados sírios. E os mesmos grupos da oposição armada já têm contatos feitos para que lhes sejam enviados equipamentos móveis de defesa antiárea e sistemas de defesa antitanques.

O grupo “Amigos da Síria” tem outros objetivos, além dos anunciados oficialmente. Ainda que não queiram repetir em detalhes o cenário líbio, o ocidente e a Liga Árabe estão claramente repetindo as linhas gerais daquele golpe, diz Irina Zvyagelskaya, do Instituto de Estudos Orientais.

“A oposição síria, embora seja muito dividida, faz exigências duras e semelhantes: todos os grupos querem a saída de Assad, como precondição para o início de conversações. Estão todos convencidos de que conseguirão implantar a sua agenda, e de que conseguirão assumir o poder na Síria sem ter de fazer qualquer concessão, só com imposições e ultimatos. Sem Assad, há risco de a Síria mergulhar em caos ainda pior, que talvez exija interferência externa. E o presidente Assad não está promovendo as mudanças, embora continue a falar delas.”

De fato, o presidente sírio está decidido a promover as reformas, embora seus planos tenham de ser diariamente alterados por ataques e troca de tiros cada dia mais violentos, provocados pela oposição. Nesse domingo, 25 de fevereiro, os sírios votarão em referendo a nova constituição da Síria.

Mas especialistas dizem que nada do que Assad faça deterá a oposição armada contra ele. A porta-voz do Departamento de Estado Victoria Nuland disse, pouco antes de iniciado o fórum dos “Amigos da Síria”, que se os “Amigos” não conseguirem convencer Assad a deixar o poder, os EUA considerarão outras opções, sem descartar a possibilidade de invasão militar.

Segundo o ex-ministro de Informação do Líbano, Michel Samah, o principal objetivo dos chamados ‘amigos da Síria’ é dividir a Síria e provocar uma guerra civil. Há esperança ainda de que, apoiada por Rússia e China, a Síria consiga impedir que EUA e França implantem-se na região. Os chamados ‘amigos da Síria’ acusaram Moscou e Pequim de serem responsáveis pela crise síria; e recomendaram que as duas capitais revisem as posições sobre o assunto.

Essa semana, a ONU nomeou Kofi Annan enviado especial à Síria. Annan conclamou todos os partidos e grupos envolvidos no conflito a cooperar para pôr fim à violência e construir solução pacífica para a crise. A Rússia espera que o trabalho de Kofi Annan consiga levar a alguma solução efetiva para o conflito. Moscou também está preparada para colaborar com a ONU, a União Europeia e a Liga Árabe para que se evite um desastre humanitário e político no Oriente Médio.

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Obama anda mesmo cantando o blues?

23/2/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/NB24Ak04.html
Não é fácil ser POTUS (President of the United States). Corãos queimados no Afeganistão, Líbia “liberada” governada por milícias, Síria caindo em guerra civil, o psicodrama sem fim em torno do Irã. Onde buscar alguma consolação? Simples: se o POTUS não consegue escapulir até a Casa do Blues – o Serviço Secreto não permitiria – o blues vem à Casa (Branca).
Performance at the White House: Red, White and Blues, foi um concerto doméstico gravado no Salão Leste, em homenagem ao blues e ao Mês da História Negra nos EUA, parte de uma série musical com POTUS (Barack Obama) e FLOTUS (First Lady of the United States Michelle Obama) como anfitriões. Irá ao ar na 2ª-feira, pelo PBS, Sistema Público de Broadcasting[1].
E então aconteceu o momento mágico; arremedo de bluezeiro, Mick Jagger passa o microfone para POTUS – e o resto é história (veja o vídeo[2]). Houve o precedente (veja o vídeo remixado[3]), quando POTUS enviou mensagem nada sutil de campanha, em código “Let's Stay Together” [Fiquemos juntos].
Mas foi para valer: POTUS assumindo o espírito de Robert Johnson via “Sweet Home Chicago”. E que cast de apoio! Incluindo o “Rei do Blues” em pessoa, BB King, 86, apresentado por POTUS; Mick Jagger (ainda em forma em “Can't Turn You Loose”; Buddy Guy; Jeff Beck; e Booker T Jones, lenda viva da gravadora Stax – que já deveria ter sido canonizado – como band leader e diretor musical. Gol de placa, o do cantor-em-chefe.
POTUS até fez uma declaração oficial elogiando o blues; que “nos ensina que quando nos descobrimos numa encruzilhada, não nos escondemos dos nossos problemas. Nós os encaramos. Lidamos com eles. Cantamos sobre eles. Os convertemos em arte.”[4]


Bombatômica-em-mim, baby, até o sol raiar

Por que um negro não poderia brincar com o blues na Casa Branca? Afinal, a economia dos EUA vai – lentamente voltando a girar (mais ou menos) apesar daquela canção pungente “16 trilhões/O que mais você quer?”, que ainda se ouve do coro, ao fundo.
O desemprego cai – devagar. E os ex-talvez candidatos Republicanos que ainda se arrastam ou são doidos ou batem todos na mesma tecla “Jesus!; e Mulá (Rick) Santorum apresenta-se ele mesmo como o homem que salvará os EUA, de Satã.
A turma do Tea Party pirou. Newt Gingrich, em desespero, diz que POTUS é “o mais perigoso presidente de todos os tempos”. Mitt Romney – num debate da campanha para presidente – diz que o Irã dá uma bomba atômica ao Hezbollah no Líbano; o Hezbollah traz a bomba para o México; em seguida a bomba atravessa a fronteira disfarçada como imigrante ilegal e explode em Ohio.
E o pior de tudo: em matéria de música, esse pessoal aí, pior, impossível. Não cantam blues – nem soul, nem jazz, nem gospel, nem country – nem se a vida (paranóica) deles depender disso.
Seja como for, o cantor-em-chefe não estava exatamente bluezando quando assinou a National Defense Authorization Act [Lei de Autorização da Defesa Nacional] na noite de Ano Novo – quando ninguém estava prestando atenção. O guerreiro-em-chefe de fato legalizou a conversão dos EUA em estado policial militarizado – onde o Pentágono pode mandar prender norte-americanos sem acusação e sem julgamento durante “toda a duração das hostilidades” na imatável-imorrível “guerra global ao terror”.
No fim da semana que vem, POTUS tampouco estará cantando blues quando discursar na convenção anual do Comitê EUA-Israel de Assuntos Públicos [American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) – ante milhares de apostadores de jogo de alto risco, num salão de baile em Washington, todos berrando em uníssono pela destruição do Irã.
Mas a véspera do discurso parece saída diretamente de “Hellhound on My Trail” [Há um cão do inferno no meu encalço[5]] de Robert Johnson [1937]: é quando POTUS recebe o primeiro-ministro de Israel Benjamin “Bibi” Netanyahu em visita a Washington, o qual todos os grãos de areia do deserto do Negev sabem que quer livrar-se de POTUS e instalar na Casa Branca um seu fantoche pessoal de doido-por-guerras.
Afinal, Bibi já esbravejou até contra o general Martin Dempsey, Chefe do Comando do Estado-maior das Forças Armadas dos EUA, porque o campeão do Pentágono atreveu-se a manifestar algum bom senso e disse que qualquer ataque de Israel ao Irã seria “desestabilizador” e “imprudente”.
POTUS prefere cantar o blues a ir à guerra; quanto ao resto dos norte-americanos médios, parecem absolutamente confusos, ou absolutamente anestesiados pelo ruído ambiente. Segundo a mais recente pesquisa CNN/Gallup, quase 80% deles acreditam que ou o Irã tem armas nucleares ou pode arranjar uma amanhã mesmo; ao mesmo tempo, 63% preferem a diplomacia à guerra, como meio para dissuadir o Irã de converter-se em país nuclear. Então, como é que fica? Convencer o Irã a desistir de bombas inexistentes que eles talvez tenham?
O Supremo Líder do Irã Aiatolá Ali Khamenei talvez considere o blues música do demônio – mas pelo menos já disse pelo menos uma vez oficialmente que “o Irã não tem arma nuclear”. Simultaneamente encoraja os cientistas nucleares iranianos a prosseguir no seu trabalho “fundamental” para “os interesses nacionais iranianos”.
Em meio a toda essa loucura, pelo menos o seriado Mad Men[6] estará de volta, nos idos de março[7].
E enquanto seus opositores afundam-se nos pântanos do apocalipse, POTUS – que as pesquisas informam que pode derrotar qualquer deles – parece andar, cantando blues diretamente para a zona de conforto.
C'mon/baby don't you wanna go/back to that same old place/Sweet Home[8] Casa Branca.



[2] Em “Blues night at the White House, February 21, 2012”, em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hhO1DnNKYbo
[4] 29/5/2004, em http://www.atimes.com/atimes/Front_Page/FE29Aa01.html Uma olhada retrospectiva à encruzilhada de Robert Johnson, de 2004, apenas algumas semanas antes de POTUS irromper na paisagem política dos EUA, feito o Hoochie Koochie Man [tema clássico do blues, escrito por Willie Dixon e apresentado pela primeira vez por Muddy Waters, em 1954. Pode ser ouvido, em gravação posterior, em http://www.vagalume.com.br/muddy-waters/im-your-hoochie-coochie-man.html].
[7] O anúncio que já está no ar, pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=hAfcYuLbMa8.
[8] “Vamos... Baby, você não quer voltar para aquele velho lugar, doce lar, Chicago?” É o verso que Obama canta, de “Sweet Home Chicago” (nota 2) [NTs].